30 dezembro 2006

ano novo: Bênção de Maria

Estamos para iniciar um novo ano!
Novas – imensas – possibilidades se abrem perante nós e perante o mundo.
Ao iniciar o novo ano a Igreja oferece-nos Maria como Mãe.
Mãe de Deus e Mãe de todos nós!
Por isso aqui fica a

Bênção de Maria

Que nossa Senhora abençoe o teu ir,
O teu vir e o teu estar.
Que nossa Senhora abençoe o teu pensar,
O teu fazer e o teu dizer.

Que Ela te abençoe nas tuas alegrias
E que Ela te abençoe quando choras.
Que Ela te abençoe quando acordas
E que Ela te abençoe quando adormeces.

Que os Seus braços te envolvam
E que Ela te aperte contra o Seu coração
Para que estejas com Ela e com Jesus
E que nunca te separes deles.


Ano novo abençoado – para todos!

22 dezembro 2006

a verdadeira luz do mundo!



















O povo que andava nas trevas viu uma grande luz.
O Senhor consola o seu povo.

Como são belos sobre os montes os pés do missionário que anuncia a paz, que traz a boa nova e que proclama a salvação.

Eis que vem o teu Salvador.

Anuncio-vos uma grande alegria.
Hoje nasceu o nosso Salvador – Jesus Cristo Senhor.

Neste dia nasceu para nós a verdadeira paz e reconciliação.
Um menino nasceu para nós, um filho nos foi dado.
Será chamado «Conselheiro admirável, Deus forte, Pai eterno, Príncipe da paz».

Manifestou-se a graça de Deus, fonte de salvação para todos.
Nasceu-vos hoje um Salvador – Jesus Cristo Senhor.

Maria envolveu o menino em panos e deitou-o numa manjedoura,
porque não havia lugar para eles na hospedaria.

Glória a Deus e paz na terra.

Salvou-nos pela Sua misericórdia, gratuitamente.

Começaram a contar o que lhes tinham anunciado sobre aquele Menino.
Maria conservava todas estas coisas no seu coração.

Todos os confins da terra verão a salvação do nosso Deus.
Deus falou-nos por meio do seu Filho.

No princípio era a Palavra – a Palavra era Deus.
A Palavra fez-se carne e habitou entre nós.

A Graça e a Verdade vieram por meio de Jesus Cristo.
Tudo foi feito por meio d’Ele e sem Ele nada foi feito.

N’Ele estava a Vida e a vida era a Luz para todos!

19 dezembro 2006

encontros

13 dezembro 2006

natal… seropositivo

Nesta quadra do ano é costume, um pouco por todo o lado, fazer almoços, jantares ou festas de Natal. Empresas, grupos ou escolas quase todos o fazem. São ocasiões únicas de encontro e fraternidade, mesmo se com algum consumismo á mistura. O Natal é um tempo para trazer ao de cima o melhor que há no coração humano. E tudo teve início porque associado ao acontecimento histórico de Deus que vem habitar a vida humana, com todos os seus altos e baixos: sonhos, dramas, incongruências, desumanidades, doenças, injustiças, desamores, doação, entrega, partilha e todos os nobres ideais. Natal é Emanuel!

Ultimamente, porém, está a ser moda (triste moda!), ou melhor dito, está a ser politicamente correcto sobretudo nas escolas da Europa não ter festas de Natal e não fazer qualquer menção do nascimento de Jesus – com o arrazoado, dizem, de não ofender os não cristãos. Quem assim faz, porém, para além de abdicar covardemente do que é seu, acaba por ofender os cristãos. E os cristãos, onde quer que eles estejam, também são gente. Pagam impostos como todos e, como todos, têm direitos. Haja bom senso, humanidade e – como costuma dizer um meu confrade – juízo!

Vem tudo isto a propósito de que hoje tivemos a festa de Natal, com almoço, para as pessoas infectadas com HIV-SIDA de Osizweni. O acontecimento foi organizado pelo grupo Cuidados Domésticos (CD) – Home Based Care. É um grupo de pessoas que teve início e é apoiado pela Igreja Católica de Osizweni mas ao qual pertencem pessoas de várias denominações religiosas. São voluntários e têm como tarefa prestar apoio domiciliar aos seropositivos: cuidar da higiene dos doentes e, frequentemente, também da habitação; dado que os infectados estão no programa ARV (Anti RetroVirais) há que zelar para que tomem os medicamentos segundo os critérios do médico e apoiá-los para a visita (semanal) ao médico.
É um serviço frequentemente escondido e há que ter força interior para continuar dado o défice de vida dos doentes. Para poderem ser eficazes no seu serviço, os membros do grupo CD recebem formação inicial (antes do início do seu serviço de voluntariado) e formação periódica. Parte central da formação dos membros do grupo CD é a dimensão religiosa, e os membros católicos são muito activos dentro da comunidade.
Antes do almoço houve uma sessão que começou com um serviço religioso de cura e bênção, seguido de várias intervenções de pessoas especializadas no apoio a seropositivos e no combate ás causas da pandemia da sida. A assembleia, mais de cem pessoas, era constituída pelos doentes e pelos membros do grupo CD, aos quais poderemos chamar de “cuidadores” dado o seu serviço de cuidar dos doentes. Algo que fazia doer tremendamente o coração era a presença de trinta e seis crianças – órfãs e muitas delas infectadas pelo nascimento. Veio-me à mente a frase do poeta: “Mas, Senhor, porquê as crianças”? E a única resposta de que sou capaz é… o uso que fazemos da liberdade cria estas situações.
Um dos intervenientes partilhou com a assembleia as conclusões de um relatório recentemente publicado: se não houver mudança nos comportamentos, dentro de nove anos a esperança média de vida para as pessoas deste país será de… 51 anos (49 anos para os homens e 53 para as mulheres). Se for verdade é trágico. Mas pode mesmo vir a ser verdade, e nós padres tocamos semanalmente com mão essa realidade dramática e final: depois de amanhã temos o funeral de uma mulher de apenas 53 anos.

Entre as palavras de cada interveniente havia cânticos e – paradoxalmente – muita, muita alegria! Um homem seropositivo foi o interveniente mais aplaudido: “nós os seropositivos estamos vivos graças ao trabalho dos nossos “cuidadores” – viva a vida!

12 dezembro 2006

propostas












Hoje fui a Damesfontein. Fui levar um grupo de onze rapazes que vão participar num encontro vocacional de uma semana. No total são mais de três dezenas, e vêm das missões onde os missionários da Consolata se encontram a trabalhar.

Porque estamos em tempo de férias, férias de Verão, os jovens dispõem de tempo e nós aproveitamos para lhes fazer propostas de maior amplitude. É o caso deste encontro, em que os jovens serão confrontados com uma proposta vocacional missionária.

O encontro é orientado pelo padre Rocco, italiano, no que aos conteúdos e liderança diz respeito e pelo padre Carlos Matias (do Vale do Pereiro, Sertã) nos aspectos logísticos.

Saí de Damesfontein pelas três da tarde mas não vi o padre Carlos… estava fora, na comunidade de Mayflower, ocupado na preparação da festa que terá lugar no próximo domingo: o quadragésimo aniversário de Ordenação Sacerdotal do padre Ettore Viada; nesse mesmo dia o padre Viada fará também a sua despedida da missão de Damesfontein, pois em Janeiro vai transferir-se para Daveyton, na Diocese de Joanesburgo.

Saí de casa às sete da manhã e quando cheguei eram sete da tarde, depois de seiscentos quilómetros, oito horas de estrada e as costas a suplicar descanso. Tudo isso é oferta ao Mestre e Senhor da seara para que, se Ele assim quiser, algum desses jovens se apaixonem pela Missão segundo o estilo dos missionários da Consolata!

11 dezembro 2006

osizweni – pretória – osizweni

No dia 16 de Outubro, após mais de três em Osizweni, fui enviado para Pretória. O colega que eu estava a substituir em Osizweni voltou das suas férias e, consequentemente, retomou o trabalho na missão de Osizweni. Entretanto em Pretória um dos missionários tinha saído também para férias e era necessário outro para ajudar em Waverley e Mamelodi. Fiquei por lá até ao dia 30 de Novembro.
Foi um tempo agradável: recordo com particular emoção as Eucaristias em Mamelodi, cheias de vida, participação e alegria; em Waverley recordo o encontro com numerosos portugueses que frequentam a comunidade cristã, gente muito dada e sensível; tive a bênção de visitar alguns doentes, em casa e no hospital, levando-lhes a Sagrada Comunhão; no fim até me fizeram uma festa de despedida, em que várias vezes me perguntaram “porque não fica aqui”? Mesmo sabendo que teriam dificuldade em perceber, lá lhes fui explicando que a Missão não é onde nos querem ou onde nós queremos, por muito agradável e valioso que isso seja, mas a Missão é lá para onde somos enviados. É uma urgência que se realiza na fidelidade Àquele que envia! Mas que tamanha exigência, meu Deus, é um arriscar-se continuamente.

No dia 30 de Novembro voltei para a comunidade de Madadeni, para trabalhar na missão de Osizweni. O padre Tarcísio Foccoli, actual Superior dos Missionários da Consolata na África do Sul, trabalhou em Osizweni durante os últimos oito anos e vai agora para Pretória.

No dia 2 de Dezembro fomos até Dundee, sede da diocese, para participar na Ordenação Sacerdotal da Zamuva Mlangeni. É o décimo sacerdote diocesano desta diocese, estabelecida apenas há treze anos; para nosso ‘santo’ orgulho, a maior parte deles vêm de paróquias onde estão missionários da Consolata.

O colega que vim substituir tinha escolhido o dia 3 de Novembro como data da sua saída de Osizweni: uma grande festa de adeus e agradecimento pelo trabalho que ele aqui realizou durante oito anos. A festa contava de duas partes: a Eucaristia solene e, de seguida, sessão de agradecimento e almoço no salão da comunidade de Maria Imaculada.

A Eucaristia, com a máxima participação de movimentos e grupos, foi rica de simbologia, vitalidade e alguma emoção; afinal foram oito anos muito intensos que a comunidade viveu com o padre Tarcísio que, entre outras coisas, construiu quatro infantários e três igrejas.

Após a Comunhão, teve lugar a passagem do testemunho: o padre Tarcísio fez-me a entrega solene das chaves do Sacrário e, de seguida, um dos membros da comunidade colocou-me na cabeça o “isicoco” – símbolo de autoridade entre os Zulus.

No salão, enquanto se ouviam discursos de várias pessoas e grupos, entremeados com danças e cânticos, a assembleia ia almoçando e confraternizando. Depois de receber os presentes de agradecimento, o padre Tarcísio agradeceu as pessoas pelo carinho que lhe dedicaram ao longo dos anos, e despediu-se de todos com a oração do pai-nosso e Bênção.

Bem hajas Tarcísio pelo teu entusiasmo, dedicação e serviço a esta linda gente de Osizweni. Unwele olude!
















01 outubro 2006

Consolação

Começou hoje o mês de Outubro – mês da Missão e mês do Rosário!
É o mês missionário por excelência dado que é em Outubro que se celebra o Dia Missionário Mundial preparado, motivado e orientado pela mensagem que o Papa dirige a toda a Igreja!

Para mim, missionário da Consolata, o mês missionário começou muito antes e hoje: começou no dia 28 de Março, quando cheguei a este país – um reinício completamente novo, a exigir desprendimento do passado e abertura incondicional ao hoje da minha missão; começou no dia 17 do mês passado quando, na Somália, foi barbaramente assassinada a nossa Irmã Leonella; e começou também no dia seguinte, dia 18 de Setembro, quando o meu colega de eMbalenhle, padre Giorgio Massa, foi agredido por ladrões – escapou com a vida e com a bolsa, mas o corpo ficou bem pisado…

Na verdade, para nós missionários, o mês missionário acontece todos os meses; mais, acontece todos os dias, todos os momentos pois a nossa vida está sempre ali, entre nós e a pessoa com quem nos encontramos; estamos sempre a dar a vida! E porque estamos sempre a dar a vida pode acontecer que haja alguém que no-la queira tirar – pelos mais variados motivos. Foi o que aconteceu com a Irmã Leonella.

O mês de Outubro está ser para mim muito intenso, melhor estou a vivê-lo com muita intensidade – porque? Porque a minha vida está em jogo, decididamente.
Tenho lido com muita frequência um texto que foi elaborado no meio de grande intensidade e paixão pela Missão; foi elaborado por várias mãos e corações jovens, num processo de indizível intensidade e determinação; e foi proclamado em lugares como… o Santuário de Nossa Senhora da Consolata em Turim – que emoção!
Eis esse texto – palavras feitas vida – para afirmar, uma vez mais, que “consolar, ontem hoje e sempre, é proclamar com a própria vida que Jesus é o único Senhor”!















Consolação é levar a todos a Palavra.
É partilhar um sorriso.
É fomentar a paz e a união.
É levar o pão e cantar a Palavra.
É levar o amor de Deus ao irmão.
É uma caminhada de Fé.
É descobrir e revelar a presença de Deus.
Consolação é uma atitude do coração: é sentir Deus presente.
Consolação é sair de nós mesmos.
É acolhimento e compaixão.
Consolação é o doce nome de Maria Mãe Consolata.
É entusiasmo e serviço.
Consolação é missão, e missão é consolação.
É dar-se e dar a vida toda.
É partir ao encontro dos que estão longe da fraternidade.
É presença e partilha.
Consolação é o farol da nossa estrada e o anseio da nossa vida.
Consolação é o rosto da Missão.
É o eco da voz de Allamano.
Consolação é anunciar o Evangelho, testemunhando a bondade de Deus.
Consolação é amparo na dor e alegria na fraternidade.
É dar a mão ao irmão.
Consolação é comunicar a ternura de Deus.
É o fogo que nos aquece o coração.
Consolação é a beleza do rosto de Deus.
Consolar, ontem hoje e sempre, é proclamar com a própria vida que Jesus é o único Senhor!


jmc-águas santas

28 setembro 2006

seis meses














Sim, faz hoje exactamente seis meses que pisei solo sul-africano pela segunda vez!
No dia da minha chegada – 28 de Março – deixaram-me em eMbalenhle, onde permaneci dois meses.
Um tempo curto, é certo, para me aperceber de tudo – mas suficientemente longo para apreciar os dons de Deus naquelas pessoas e comunidades: foram deveras maravilhosos comigo!

Depois, durante três semanas, visitei os meus co-irmãos e as missões onde trabalham.


Pretória
O primeiro lugar que visitei foi na diocese de Pretória, onde trabalham dois colegas – um italiano e outro colombiano.
Recordo com grande emoção a Eucaristia a que presidi em Mamelodi no dia de Pentecostes: quanta alegria, vitalidade e entusiasmo! A mistura de línguas usadas nos cânticos – zulu, súto e inglês – exprimia de modo completo aquilo que celebrávamos – a festa em que Espírito Santo anima e fortalece a comunidade cristã para o anúncio do Evangelho a todos os povos!

Joanesburgo
No domingo seguinte estive na diocese de Joanesburgo, em Daveyton – uma das townships mais perigosas de toda a África; os dois missionários que lá se encontram vêm do Quénia e da Tanzânia.
O que mais me tocou da minha brevíssima passagem por Daveyton foi o maravilhoso acolhimento que as pessoas me reservaram na comunidade onde celebrei a Eucaristia. Nunca me tinham visto, eu era apenas mais um padre ‘umlungu’ que um dos animadores tinha levado á comunidade… Numa igreja – em que as chapas de zinco batidas pelo vento eram como que uma orquestra não convidada, e em que o frio fazia juntar as pessoas – as pessoas começaram por me olhar de modo a perceber quem era o padre… No momento da partilha da Palavra decidi falar-lhes daquela palavra de Deus que é cada um de nós: disse-lhes que já tinha estado neste país, falei-lhes da minha Mãe que, com 87 anos, me viu partir de novo para a missão, contei-lhes que éramos quatro irmãos e que agora somos dois… falei-lhes da bondade do imenso número de amigos e benfeitores; e concluí dizendo “celebramos hoje a festa da Santíssima Trindade – Deus que, em Si mesmo, é família – uma ocasião preciosa para percebermos que a família que somos desafiados a construir vai muito, mas muito mesmo, para além de nós mesmos, do lugar onde habitamos e para além do nosso país; hoje a vossa família cresceu e modificou-se – para sempre! E a minha também – bem hajam”! Ia a abrir a boca para começar o Credo mas... começaram a bater palmas!
No final da Eucaristia houve alguns doentes que vieram pedir-me uma oração; resultado: acabei por fazer a imposição das mãos a todas as pessoas!
Já estava dentro do carro do animador que me levaria de volta quando vieram trazer-me uma oferta: “ padre, é para comprar um bebida para a viagem”.
Daveyton, o índice de criminalidade será dos mais altos em África – mas a bondade é muito mais!

Dundee
Na terceira semana de Junho estive em Damesfontein, diocese de Dundee, com o padre Carlos Matias (da Várzea dos Cavaleiros!) e o padre Cassiano (moçambicano que, entretanto, foi transferido para Roma).
Estive pouco tempo em Damesfontein para poder aperceber-me da realidade de pobreza e dispersão – espero poder voltar, isso sim.
Enquanto em Damesfontein, tive a bênção de celebrar o dia da Juventude em Mayflower juntamente com o padre Cassiano e um grande número de jovens de várias comunidades; o dia da juventude tem lugar no dia 16 de Junho – dia em que se comemora o massacre de Sharpeville, quando a polícia do apartheid abriu fogo sobre os estudantes negros que protestavam contra o ensino obrigatório da língua afrikans.
O encontro tinha por tema “os jovens e a construção da Igreja”, e houve lugar para palestras, trabalhos de grupos, plenários e…. muita música, alegria e juventude!

Cheguei á comunidade da Consolata em Madadeni na última semana de Junho: quatro missionários de três continentes e quatro países: Itália, Portugal, Quénia e Colômbia.
Embora residindo em Madadeni (de domingo à noite até sexta de manhã) o meu lugar de trabalho é Osizweni.














Nestes três meses que me encontro em Osizweni, a minha grande prioridade tem sido visitar os doentes –são tantos! – e, para além do running normal das comunidades cristãs, dedicar tempo ás crianças dos três infantários existentes na missão: é um verdadeiro banho de alegria, inocência e despreocupação – bem hajas, Senhor, pelas crianças!

21 agosto 2006

Henrique Lampião Kupula



















Tem 31 anos e é moçambicano, da zona interior de Inhambane.
Veio para a África do Sul – como milhares de outros moçambicanos – para amealhar alguns…. randes de modo a melhorar a sua situação.

Por muito que o Henrique tentasse, a verdade é que não encontrou trabalho que lhe permitisse sonhar dias melhores na terra natal – tudo porque não consegue os documentos de residência como trabalhador.
Mesmo estando “ilegal”, o Henrique trabalha todos os dias, mais ou menos desde as oito até ao fim da tarde. Faz uns biscates que lhe vão rendendo alguns randes ao fim de cada dia.

Encontrei o Henrique em eMbalenhle – víamo-nos todos os dias: o Henrique tem a sua “oficina” mesmo à frente da residência dos missionários em eMbalenhle. Todos os dias me saudava com um sonoro «bom dia senhôr pádre, como estás»? Depois de uns dias até o meu colega já tinha aprendido a resposta.
Todas as semanas prometia que havia de vir á Missa mas… ou pela roupa ou pelo trabalho – era sua justificação – a verdade é que nunca o lá vimos. Mas estava todos os dias à frente da igreja!

As ruas de eMbalenhle estão cheias de lombas, melhor dito “senhoras” lombas: é preciso parar e meter a primeira para as poder ultrapassar – quem assim não faz deixa lá sempre algo do carro, e o mais comum é o tubo de escape. A maior percentagem do trabalho do Henrique é mesmo soldar tubos de escape, mas é hábil em qualquer tipo de trabalho que tenha a que ver com soldar.

«Tá difícil, a concorrência é muita» era o que me dizia o Henrique quando lhe perguntava como iam as coisas. Na verdade, eMbalenhle está cheia dessas oficinas ao ar livre onde muitos procuram encontrar modos honestos de sustentar a família – e vários são moçambicanos.
Na zona de eMbalenhle – seguramente pelas possibilidades de trabalho nas minas ou nas estações energéticas – há um grande número de pessoas vindas de Moçambique; gente de presença assídua na Eucaristia dominical e envolvidos na vida da comunidade cristã; grande parte deles é Manhique de apelido; aliás, um dos Manhiques é dono de várias lojas na zona de eMbalenhle.

O Henrique tenciona amealhar algum dinheiro para voltar para Moçambique, talvez nos finais do próximo mês de Setembro. Comprou um “isikorokoro” – uma carrinha muito velha – que deseja reparar de modo a que possa afrontar a viagem até Moçambique: quer chegar a casa de carro.



Recordo que, quando me despedi do Henrique Lampião, lhe notei a voz embargada e vi algumas lágrimas a correr pela face – creio que havia muito tempo que não recebia um abraço.
Dei-lhe algo para juntar às suas economias, ao que ele agradeceu dizendo «obrigado, senhôr pádre, isto vai chegar até Moçambique».


04 julho 2006

primeiro dia


















Comecei ontem a trabalhar na Missão de oSizweni.
Ontem, dia em que a Liturgia celebrou a festa de Santa Isabel de Portugal: não que eu acredite em nacionalismos de qualquer espécie, mas é uma coincidência interessante.

Na segunda-feira, ao chegar a casa, o meu colega – padre Tarcisio Foccoli – deu-me as chaves da carrinha e disse-me “estás por tua conta – pelo menos até ao início de Outubro”. Ele partiu ontem de manhã para Itália, de férias.

O meu primeiro dia foi cheio de novidades – tinha que ser mesmo assim, era o primeiro dia!


Para além de me reunir com três animadores para preparar um encontro de animadores da celebração da Palavra e um retiro com catequistas, estive ocupado a podar algumas árvores à volta da Igreja, cozinhei uma panela de esparguete (éramos cinco ao almoço!) e tentei descobrir – entre as dezenas de chaves – a chave certa para… entrar em casa e na igreja.

Ao princípio da tarde vieram pedir-me para ir ao hospital dar a unção dos enfermos a uma senhora… E eu nem sabia onde era o hospital!
A senhora estava muito mal, nem sei se nos reconheceu… Juntou-se um bom grupo de pessoas à volta da sua cama, fizemos um momento de oração e eu administrei-lhe a unção dos enfermos; o seu estado de saúde não me permitiu dar-lhe a sagrada comunhão.


De seguida fui cumprimentar as outras doentes que se encontravam na enfermaria, procurei saber de onde eram, que mal as afligia... prometi-lhes orações e, enquanto lhes apertava a mão ou lhes fazia uma carícia no rosto, disse-lhes que Deus é o pai que nunca nos deixa sós, nunca. E o olhar que me devolveram era um olhar de ternura e gratidão por aqueles breves momentos.

Quando, ao fim da manhã, me encontrava reunido com os animadores veio-me à mente a ideia de que estávamos a construir a Igreja mas, quando estava no hospital ao pé daquela senhora e das suas companheiras na doença, a convicção que me encheu o coração foi de que éramos presença e consolação de Deus.


28 junho 2006

bem hajam!


















Completam-se hoje três meses que cheguei à África do Sul: foi a meio da manhã do dia 28 de Março que o padre Carlos Matias me foi buscar ao aeroporto de Joanesburgo e me levou a eMbalenhle, na província de Mpumalanga.
Agora encontro-me no norte da província do KwaZulu-Natal, 200 quilómetros a sul de eMbalenhle.
Faz hoje uma semana que cheguei a Osizweni, e aqui ficarei pelo menos durante três meses, o tempo que o meu colega vai de férias a Itália.

Depois de ter estado durante os meses de Abril e Maio em eMbalenhle, usei uma parte do mês de Junho para estar alguns dias nas comunidades onde se encontram os missionários da Consolata: para nos conhecermos e para ver, escutar e aprender. Temos uma comunidade na diocese de Pretória, uma na diocese de Joanesburgo e três na diocese de Dundee.

As situações em que trabalham os missionários da Consolata neste país têm dimensões comuns e que estão na base da nossa opção e estilo de vida: O serviço e presença entre os mais pobres nas periferias urbanas herdadas do apartheid (Osizweni, Madadeni, Blaauwbosh, eMbalenhle, Mamelodi, Daveyton) e em ambiente rural extremamente empobrecido (Damesfontein).

Desejo dizer o meu «bem hajam» a todas as pessoas que têm “caminhado” comigo e me deixaram mensagens maravilhosas de amizade, encorajamento e fraternidade: mensagens cheias de vida, de partilha e de oferta de Orações; mensagens repletas de carinho e espírito de família – tal como dizia o Beato Allamano. Mensagens que eu nada fiz ou faço para merecer, mas que mostram a grandeza de quem as escreve: Bem hajam! Aquele que vê os corações – e, na nossa liberdade, guia os nossos passos – vos encha do Seu amor, sempre!

Bem hajam!

29 maio 2006

adeus eMbalenhle














Dois meses mais uns dois ou três dias, foi o tempo que permaneci em eMbalenhle.
Desde o princípio que não existia certeza sobre a duração da minha estadia aqui mas – depois deste tempo – já não é fácil nem imediato deixar este lugar.
Agora é o tempo do adeus ao lugar, sim, mas sobretudo às pessoas.
A alma fica-me regada por uma imensa gratidão: tudo me foi dado!

O meu colega, padre Giorgio Massa – em África há mais de trinta anos – fica agora sozinho em eMbalenhle, um lugar imenso com um único missionário; são mais de duzentas mil as pessoas que habitam nesta zona onde os católicos são apenas uns dois mil: ‘A seara é grande mas os trabalhadores são poucos’… Sim, somos tão poucos que teremos que deixar a missão de eMbalenhle, até finais de 2008, para podermos implementar a norma de três missionários em cada comunidade: É a prioridade da qualidade do testemunho sobre a quantidade de serviço.

Adeus eMbalenhle que estás crescendo na diversidade das tuas quatro comunidades compostas de mais de vinte pequenas comunidades de base.
Adeus eMbalenhle, guiada e fortalecida pelos teus dedicados animadores de comunidade e ministérios.
Adeus eMbalenhle cheia do fumo acre do carvão que os teus habitantes usam para cozinhar e se aquecer neste frio Inverno.
Adeus eMbalenhle, cheia de tantos doentes sem esperança de cura: estão atingidos pela sida – autêntica peste do século.

Adeus eMbalenhle!
Como eu desejo e rezo para sejas devera uma flor bela (como o teu nome indica): que a pobreza, a doença e a miséria dos teus habitantes sejam vencidas e eles possam viver em alegria e serenidade, bendizendo o Senhor da vida.


É um sonho, eu sei – mas é por isso que eu estou neste país.

27 maio 2006

consolados


















“É bom esta igreja estar aqui, estou muito contente, pois as pessoas podem aprender e melhorar a sua vida”, quem assim falava era um dos muitos visitantes – melhor chamar-lhes curiosos – que, ao ver o movimento de pessoas, entra na nova igreja que hoje será inaugurada.

Enquanto falava comigo, essa pessoa esticou o braço num amplo gesto que apontava para a vizinhança da igreja: “estas pessoas podem ter uma vida melhor, são privilegiadas por terem a igreja tão perto”. Na verdade as pessoas dizem que vivem em “eMkhukhwini”, ou seja, no lugar das barracas; em toda aquela enorme extensão, os únicos edifícios de tijolo são a escola e, agora, a igreja – tudo o resto é só e simplesmente barracas de chapa zincada.

Ao entrar na igreja dedicada a Santo Agostinho deparamos com um grande crucifixo (oferecido por um colega da Consolata), o sacrário (feito por um dos membros da comunidade) e um quadro de Nossa Senhora da Consolata pintado em vidro e retroiluminado (feito e oferecido pelo filho de um casal argentino que vivem em Secunda); claro que também lá estão o altar e o ambão – o que sobrou de uma remodelação, feita há anos, na igreja de eMbalenhle.

A primeira igreja de eMbalenhle é dedicada a Nossa Senhora da Consolata, e a segunda igreja conta também com a Sua presença; não poderia ser de outro modo: Ela é Mãe! E se há pessoas que precisam de ter uma Mãe como Ela, essas pessoas são os que habitam em eMkhukhwini. Para que se sintam amados, valorizados e consolados através da presença e ministério de outros Seus filhos, os missionários da Consolata.

25 maio 2006

nova casa















«Como são amáveis as tuas moradas, ó Senhor do universo!»
No próximo sábado – depois de amanhã – vai ser inaugurada a segunda igreja de eMbalenhle.

Esta igreja representa um desejo que tem cerca de dez anos: ter uma outra presença católica na grande “location” de eMbalenhle. O pároco actual – padre Giorgio Massa – foi quem conseguiu finalizar o projecto, e que nele colocou não só o seu entusiasmo e dedicação mas também uma boa parte de dinheiro pessoal.

A igreja é dedicada a Santo Agostinho – foram as pessoas que escolheram, assim me disseram – um santo africano. A história pessoal de santo Agostinho mostra, entre outras coisas, que nunca é tarde para… se reencontrar com o sonho de Deus.

Os trabalhos de construção estavam atrasados e, por entre andaimes escadas e sacos de cimento, nós começámos a celebrar lá a Eucaristia há umas semanas: em cada domingo uma média de dez pessoas apresentavam-se à comunidade dizendo “ngiyazinikela” – dou-me, ofereço-me (à Igreja). É o primeiro passo, o da oferta de si mesmo, para iniciar o longo caminho do catecumenato que irá concluir-se com o Baptismo.

Nestes dias temos andado muito ocupados em acabamentos e preparação para a inauguração: desde os arranjos do espaço exterior, até ao interior da igreja – para que esse espaço seja, de facto, o lugar onde «o meu coração e a minha carne cantam de alegria ao Deus vivo!» Um lugar que seja farol a iluminar – com a luz de Deus – aquela zona de eMbalenhle, uma zona extremamente pobre e necessitada…

«Felizes os que habitam na tua casa e te louvam sem cessar. Felizes os que em ti encontram a sua força!»
Estou usando palavras do salmo 83/84 porque elas exprimem o anseio do coração humano para se encontrar com Deus – no templo e na história das pessoas; um anseio que é também proclamação de fé e certeza histórica : «o Senhor é sol e é escudo, Ele concede a graça e a glória; o Senhor não recusa os seus favores aos que vivem com rectidão; ó Senhor do universo, feliz quem em ti confia!»

22 maio 2006

vamos a outros lugares

Nos primeiros dias da próxima semana deixarei eMbalenhle - terei completado então dois meses de presença nesta missão.
Sim, são dois meses de calendário mas a sensação que tenho é que estive aqui muito mais do que sessenta dias.
Foi um tempo breve, sim, mas muito intenso - é quanto me diz o coração.
 
Quando cheguei à África do Sul colocaram-me aqui mas eram poucas as possibilidades de eu cá permanecer; e as possibilidades desfizeram-se completamente quando, na segunda semana deste mês, ficou decidido que eMbalenhle seria entregue à Diocese até finais de 2008. Somos poucos... 
 
Estando aqui em eMbalenhle dei-me conta que, dia após dia, se tornava mais forte a minha relação com as pessoas e com as comunidades. Participei em tudo o que me foi possível para... aprender e conhecer, entrando aos poucos na família que estas comunidades compõem.
Fui conhecendo grupos, famílias e pessoas e, com elas, fui-me tornando parte da família. Juntamente saboreámos a fraternidade e a alegria, estivemos unidos nos momentos de sofrimento e - sobretudo - sonhámos colaborar na construção daquela família que é habitada por Deus. Foi muito, muito bom!
 
Quando ontem, no final das Eucaristias que celebrei, me despedi das comunidades foi grande a surpresa da reacção que notei - nas pessoas e em mim.
Dei comigo emocionado, cheio de nostalgia e - porque não dizê-lo? - saudade. Sim, saudade - mesmo se ainda aqui estou...
Quando disse que não voltaria a estas comunidades, as pessoas reagiram com um ôh... longo e lamentoso; depois da Eucaristia algumas delas vieram ter comigo dizendo «vamos falar com o Sr. Bispo»...  Lá lhes contei que, desde o princípio, não era certo que eu ficaria aqui em eMbalenhle e que, na verdade, nada dependia do Sr. Bispo; compreenderam e concluiram dizendo «que pena, padre, agora que já estávamos a habituados...».
 
No pouco tempo que aqui estive as pessoas abriram-me a porta de suas casas e de suas vidas, admitiram-se à mesa da sua intimidade; e eu senti-me parte deles, desde o primeiro dia. Partindo daqui, elas vão comigo e, estou certo, algo de mim fica também com eles - para sempre!

15 maio 2006

reencontro

Quando os missionários mudam de país, são várias as coisas que mudam na sua vida. Entre elas, muda também o meio através do qual se dirigem a Deus; e assim, de um dia para outro passam a rezar numa língua diferente.

Quando pedi ao meu superior religioso o livro da Liturgia das Horas, ele disse-me: “sim, eu tenho lá um breviário, mas era do padre Alex Lipingu…” – ao que eu respondi: "Ainda bem que era do Alex, fico feliz em poder usar esse livro da Liturgia das Horas que ele usou". O padre Alex Lipingu era um missionário da Consolata tanzaniano que faleceu aqui, na África do Sul, num acidente de viação.

















Trouxe o Breviário (são três volumes) para eMbalenhle e – que surpresa, meu Deus! – encontrei dentro de um dos volumes algo de muito familiar e próximo, não obstante a distância temporal: um ‘santinho’ recordando a Ordenação Sacerdotal e Missa Nova do P. Paulino Ferreira! Dentro do breviário do Alex Lipingu.

O padre Paulino – natural da Gândara dos Olivais, Marrazes (Leiria) – faleceu no mesmo acidente que vitimou o padre Lipingu, no dia 23 Novembro de 1999.

Vi o padre Paulino, naquela que veio a ser a última vez, em Sagana no Quénia no mês de Junho desse ano de 1999. Eu estava no 10º Capítulo Geral dos Missionários da Consolata – o primeiro que se realizou fora de Itália – e o padre Paulino com o padre Fernando Carneiro, que estavam na Tanzânia, foram participar no funeral de um confrade queniano, funeral esse que teve lugar em Sagana.




















Em Portugal estive com o padre Paulino durante uns quatro anos, não na mesma comunidade mas no mesmo sector: a animação missionária e vocacional.
Recordo, de modo extremamente vivo e actual, a colaboração generosa e a disponibilidade contínua do padre Paulino. A alegria genuína e a intensidade da sua dedicação eram contagiantes. Mas o que mais recordo dele é que…tinha pressa de viver, tal não era o entusiasmo que colocava em tudo o que fazia.

Paulino, tu passaste pela minha vida – e também por estas terras; estamos unidos porque as nossas vidas estão nas mãos de Deus pois “quer vivamos quer morramos, pertencemos ao Senhor”! (Rom 14, 8)

mãe-mulher




















“Hoje queremos honrar e agradecer as nossas mães – porque são mães e porque são mulheres”! Foi assim que o presidente do Conselho da Comunidade iniciou o seu discurso quando, como de costume, se dirigiu aos cristãos para partilhar informações e falar sobre a vida da comunidade.
Aqui, na África do Sul, o dia da Mãe celebrar-se no segundo domingo de Maio e as nossas comunidades cristãs fizeram eco da festa através de várias iniciativas.

A comunidade de eMbalenhle, talvez por ser a maior e mais desenvolvida, foi onde a festa permeou todos os momentos da Eucaristia. Ao entrar na igreja, todas as Mães receberam uma fita que, colocada na lapela, as distinguia do resto da assembleia.

Enquanto se entrava na igreja, várias pessoas – filhos, maridos e amigos – foram colocar prendas aos pés do altar.
Após a homilia do sacerdote, foi a vez de uma convidada – Mãe – se dirigir à assembleia e, em particular, às mães-mulheres: foi uma hora cheia de apelos à dignidade, vocação, missão, tarefas da mãe-mulher no seu dia-a-dia; os desafios que ela enfrenta para realizar a sua missão nas várias situações e lugares em que se encontra – a casa, o trabalho, a sociedade e a igreja – e nos relacionamentos em que está envolvida: o marido, os filhos, os vizinhos, os colegas de trabalhos e a participação na vida da comunidade cristã. Foi uma hora inteira, entrecortada com cânticos, àmens e aleluias.

No final da Eucaristia, antes da Bênção final, teve lugar a distribuição das prendas, acompanhadas da leitura dos cartões onde os oferentes exprimiam gratidão e amor para com suas mães, esposas e colegas. E a assembleia saiu do templo ao som do cântico “Maria, mandla ami, ake ungiqinise – Maria, minha força, fortalece-me”, a melhor mensagem que as mães-mulheres poderiam receber para continuarem fiéis à sua vocação e missão de mães, mães-mulheres.
















Bem hajam mães, todas as mães, pelo amor que dedicais aos vossos filhos e pelo exemplo de dedicação contínua – sois as colunas da sociedade. Sois sempre jovens e belas – tendes a mesma idade e beleza dos vossos filhos!

Bem-haja a minha Mãe – a ti Carma – pelo indizível amor que dedicou ao marido e aos filhos, e pela serenidade e coragem com que enfrenta as dificuldades da saúde e da idade. Obrigado Mãe!

10 maio 2006

12 = (5+9+3)

Estou em Newcastle, na província do KwaZulu-Natal, desde segunda-feira 8 de Maio. Porquê? Porque os Missionários da Consolata estão realizando a sua Conferência.Mas, o que é isso de «Conferência»?
O Conferência é algo parecido com os congressos que os partidos políticos realizam; com a diferença que os partidos realizam o seu congresso anualmente, enquanto que nós realizamos a nossa Conferência cada seis anos.
Qual o objectivo da Conferência? Simples: rever os seis anos passados e, em fidelidade, ao Capítulo Geral do Instituto Missionário da Consolata, programar os seis anos futuros; trata-se de aplicar, na situação concreta em que nos encontramos, as deliberações do Capítulo – a assembleia magna que o Instituto realiza cada seis anos.
A Conferência é, fundamentalmente, um espaço de fraternidade e escuta do Espírito Santo – para discernir os melhores caminhos a seguir de modo a anunciar o Evangelho de Jesus Cristo com a máxima eficácia possível.

Actualmente somos doze missionários da Consolata na África do Sul, provenientes de sete países em três continentes.
Vivemos em 5 comunidades e prestamos o nosso serviço missionário em 9 situações pastorais, em três dioceses – Dundee, Joanesburgo e Pretória.

São enormes os desafios que estão perante nós: como responder adequadamente às inúmeras solicitações com o reduzido número de missionários? Como potenciar o dinamismo da vida religiosa nas nossas comunidades?

Ao espreitar o futuro que está perante nós – ao fazer a nossa programação para os próximos seis anos – somos levados a perceber que, para melhorar o nosso serviço missionário, teremos que diminuir a quantidade das nossas presenças; é isso que o delegado do Governo-geral do nosso Instituto nos tem vindo a dizer, com a consequência de, no futuro próximo, passarmos de cinco para quatro comunidades em apenas duas dioceses: Dundee e Joanesburgo.

Estar ao serviço da Missão tem destas coisas: aperceber-se de como é vasto o campo para cultivar e ver-se obrigado a arrepiar caminho porque... somos poucos.«A messe é grande, mas os operários são poucos… Pedi ao dono da seara que envie trabalhadores para sua messe» – e que os trabalhadores sejam generosos e disponíveis!

04 maio 2006

família de… irmãos

A situação da família neste país é, para dizer o menos, bastante delicada para não dizer crítica – tendo em conta os critérios a que estamos habituados no mundo ocidental. A cultura, a história, a tradição e a visão religiosa são elementos centrais para tentar interpretar a situação e, aí está o segredo, colher os valores que dão corpo à família nesta cultura africana.

No meu caso, o tipo de família que venho vivendo é a família de… irmãos, no Instituo Missionário da Consolata. Vejo e vivo esta situação com a convicção de que essa é uma realidade em construção contínua; creio que é ir mais além em relação ao que já vivi: é essa novidade e, ao mesmo tempo, o desafio que me é oferecido – e que me ofereço – cada dia.

Na segunda e terça-feira após a Páscoa nós, os missionários da Consolata, encontrámo-nos em Damesfontein. É uma óptima tradição deste grupo – agora somos apenas 14 – encontrar-se cada dois meses; objectivo? Para ser família, rezar, conviver, reflectir…. ser família! Família de irmãos.

















O P. Matthew Ouma encontra-se de visita aos missionários da Consolata deste país; ele é membro do Governo-geral do nosso Instituto e foi-lhe confiado o continente africano; chegou até nós vindo da Etiópia.
Esteve 4 dias aqui em Embalenhle: fez perguntas, pediu relatórios; juntos rezámos, juntos comemos e juntos lavámos os pratos – em família, de irmãos.
Na próxima semana, juntamente com o P. Matthew, estaremos reunidos em Newcastle para reflectir sobre a realidade em que nos encontramos, para avaliar e reformular o nosso ministério missionário.

Ser família de irmãos é… partilhar o que se tem e, onde quer que nos encontremos, saber e sentir que somos sempre família. É isso que eu sinto nesta partilha que o P. Tomás me enviou ontem: «Estive em Sadani a ajudar, sobretudo atendendo à Quaresma e Páscoa; vim de lá no domingo passado e esta semana estou em Iringa (a participar num seminar - um acto regional de formação permanente, dado por duas irmãs irlandesas. É em inglês, o que reduz o número de "attendance". Dura até sexta feira. Em seguida, talvez já no sábado ou domingo (depende do transporte) vou para o novo "assignment". Já estava alinhavado mesmo antes de eu ir para Sadani, mas agora é que é o momento: vou tapar o buraco na ausência do pároco (congolês) que vai de férias. Creio que vai este mês, mas o quando só o saberei quando lá chegar. O que virá a seguir, e exactamente quando, não sei. Mas também pode ser que me prolonguem a estadia lá, visto que também não tem vice-pároco.

O lugar é a paróquia de Ikonda. Ao lado temos o nosso grande hospital do mesmo nome. Portanto, há mais três padres e um irmão (director e capelão do hospital, director de uma escola de técnicos/as de laboratório e irmão construtor). Mas a paróquia é que está desprovida. É nas montanha Livingstone Range, a mais de 2000 m de altitude, zona fria e chuvosa. É entre os Wakinga – uma tribo muito distinta/distante dos Wahehe de Iringa ou dos Wabena de Makambako – conhecidos como grandes trabalhadores diligentes, forçados à emigração. Mas pouco mais sei, para já».
Bem hajas, P. Tomás!

Ser família… de irmãos é sentir que todos são parte de mim, de nós! Por isso procurámos ajudas para socorrer a família Mabuza cuja casa ardeu: No domingo pedimos na comunidade e, depois, fomos levar cobertores, roupas, duas camas, comida… Todos tínhamos que fazer algo, somos uma família – de irmãos!

28 abril 2006

terços, cruzes e… termómetro

Faz hoje um mês que, pelas três da tarde, eu chegava a eMbalenhle. Um lugar completamente desconhecido para mim; de eMbalenhle apenas tinha ouvido o nome… E agora aqui estou eu, em eMbalenhle, um mês depois e uma realidade completamente diferente daquela em que estive ocupado durante os últimos doze anos. Mas a mesma paixão: a Missão – o anúncio da Boa Nova da salvação a todos os povos!

Lembro que, antes de partir de Portugal eu escrevi a algumas pessoas – especialmente jovens, leigos e até missionários – e lhes disse: “Para todos nós mantém-se o desafio de... «ide e fazei discípulos de todas as nações» – onde quer que o Mestre nos envie”. Sem partida não há missão, pode parecer radical mas é a verdade da minha convicção. Cada vez me parece mais evidente que – para os discípulos do Ressuscitado – é preciso levantar-se do sofá da missão e… partir.

Pelo que me diz respeito, a minha história pessoal diz-me que a Missão – o anúncio de Jesus Cristo único Salvador – está intimamente ligada à partida, ao sair de mim mesmo, das minhas seguranças, do meu ambiente humano, cultural, geográfico – para ser povo com outras pessoas e, com elas testemunhar a presença transformadora de Deus. Não há alternativa; para ser missionário é urgente partir: “Ide”! Partir é gritar contra a relativização que está a atingir o âmbito da Missão universal, é proclamar que o anúncio do Evangelho envolve, hoje como ontem, a totalidade de mim mesmo – sem cedências.

A totalidade de mim mesmo, sem cedências... é fácil, é natural? Não, não é. E como eu tenho consciência das consequências práticas do que estou a dizer! Na semana passada um homem, membro da nossa comunidade cristã, foi esfaqueado a menos de cem metros da nossa casa… Há dois dias, no mesmo local, um polícia foi esfaqueado e, de seguida, morto a tiro…

















Mas… onde estão os terços, as cruzes e… o termómetro?
A história é simples: enquanto preparava a minha mala para vir para a África do Sul, chegou-me um telefonema com o pedido de trazer três quilos de terços; em Fátima nunca tinham recebido uma encomenda de… “quilos” de terços!

Juntamente com os terços comprei também umas quantas cruzinhas de metal – sei como estas coisas são necessárias cá em baixo; Por motivo do peso, acabei trazendo os terços e as cruzes na mochila que trazia às costas – até porque, pensava eu, coisas tão santas não iriam provocar problemas de segurança nos aeroportos. Nunca o tivesse pensado! Tanto em Lisboa como em Londres lá tive eu que sair da fila, submeter-me a interrogatórios, desarrumar o que estava tão bem arrumadinho, desembrulhar tão preciosa mercadoria e – sempre a mesma pergunta: “porque leva isto?” Depois da resposta, voltavam a passar os sagrados objectos pelo detector de metais e… lá ficava eu a tentar colocar tudo outra vez no mesmo sítio.

Em Londres a coisa foi bem mais complicada: os funcionários da segurança, depois de desvendar o mistério dos terços continuaram passar várias vezes a mochila pelo detector; novo interrogatório: de onde vem, para onde vai, o que faz, bla bla bla… “você tem aqui algo extremamente suspeitoso…” Depois de muito averiguar – esvaziaram completamente a mochila – encontraram o objecto do crime: um minúsculo termómetro! Deram-mo de volta? Nem pensar: Isto é muito perigoso para a segurança dos passageiros… O susto foi tamanho que fiquei logo com febre e… nem pude – nem posso – medi-la, o termómetro ficou em Londres!

26 abril 2006

a primavera acabou…















‘Nunca pensei que ela chegasse até ao Natal de 2004’, disse-me o meu colega quando, ontem, a animadora da célula lhe comunicou que a Mbáli – Flor – tinha falecido.
É o caso para dizer que primavera já acabou, mesmo se aqui na África do Sul, só agora, estamos a entrar no Inverno: a Mbáli definhou e…. murchou, lenta e completamente.

Mbáli – foi assim que decidi chamar-te porque habitavas este lugar, eMbalenhle; mas dei-te esse nome – Flor – também pela tua juventude, pela ânsia de viver que vi no teu olhar – um olhar imensamente intenso e profundo – e pela serenidade que se respirava no pequeno quarto que partilhavas com tua mãe.

Flor, conheci-te há pouco tempo – demasiado pouco para saber algo de ti – mas… tocaste a minha vida, profundamente.

Sabes, Mbáli, há tanta gente a falecer nestes aqui em eMbalenhle: gente de meia-idade, crianças, jovens…Mas das pessoas que até agora conheci, tu és a primeira a partir… tão cedo, e após tanto sofrer…

Vinte e cinco anos não é idade para morrer, não!
Vinte e cinco anos é tempo para viver, desenvolver-se, trabalhar, constituir família; 25 anos é tempo para amar! É tempo para ser mãe, tempo para dar vida – e não, ficar sem vida…

Mbáli, o teu sofrimento já acabou, e eu acredito firmemente que, na casa do Pai, tu serás umas das flores mais belas, uma daquelas que Ele, ao passear no Seu jardim, mais acariciará. Sim, porque aceitaste a cruz com tal serenidade e amor que só Ele poderia ter-te dado força para tal.
A tua ânsia de viver – como ela era visível no teu olhar! – atingiu agora a vida plena: “vim para que tenham a vida e a tenham em plenitude”.

Bem hajas, Mbáli! Sim, bem hajas imensamente por… teres tocado a minha vida com teu olhar!

23 abril 2006

a paz esteja convosco

O tempo litúrgico da Páscoa traz até nós, com intensidade e frequência únicas, a saudação «a paz esteja convosco». É certo que Jesus, com judeu que era, usava a saudação típica da sua cultura e do seu povo – Shalom! Mas essa saudação, na boca do Ressuscitado, tem que significar algo mais do que uma mera saudação de todos os dias. Estou convencido que tem que ser algo mais, muito mais…

«A paz esteja convosco» apresenta-se com um voto, um desafio, um desejo, um projecto, uma oferta gratuita para quem, em liberdade, se disponibiliza a torná-la realidade vivida. É o coração da mensagem da Páscoa: a vida nova tornada realidade quotidiana; para sempre, sem limites de qualquer tipo, tão pouco o pecado.














Mas… eu estou num país onde, em média, cada dia são assassinadas 58 pessoas, mais de vinte mil por ano: É isto «a paz esteja convosco»?
Neste país onde me encontro, o que está em extensão não são as cidades mas as…’locations’ (cidades para africanos negros pobres): Será que é isto «a paz esteja convosco»?
Na província onde me encontro, Mpumalanga, 19% dos professores são HIV positivos: Será que é isto «a paz esteja convosco»?

Quantas perguntas, meu Deus, quantas perguntas me habitam… e a resposta – creio que seja a resposta – está nas tuas palavras a Tomé: «põe aqui o teu dedo e vê as minhas mãos». Sim, é isso mesmo – as tuas mãos estão aqui, à minha volta. As tuas mãos, o teu corpo, o teu coração. Tu, Senhor estás aqui – eu sinto que sim – e Tu és a Paz.

tudo entre eles era comum

Há certas páginas da Bíblia que se apresentam de leitura difícil, muito difícil; pelo menos para mim…
Na primeira leitura de hoje falava-se do modelo da primeira comunidade cristã: era assim mesmo com está escrito? Foi apenas uma fase? Era um projecto, um desejo, um sonho?
Estou convencido que terá sido tudo isso! E não apenas durante uns escassos anos, ou apenas em alguns lugares, não. A comunidade dos cristãos é habitada, desde sempre, por esse projecto-na-realidade, por esse sonho-no-concreto, em todas as fases do caminho que os discípulos do Ressuscitado percorrem. Em todos os tempos e lugares. Também aqui, em eMbalenhle!



Foi isso que presenciei hoje, uma vez mais, durante a Eucaristia: A alegria, entusiasmo e entrega que se verificava na comunidade enquanto cantava, enquanto apresentava as orações e, de modo muito sensível, durante o ofertório.

Nas celebrações dominicais o momento do ofertório dura pelo menos dez minutos ou mais. Estou em crer que é o momento mais participado: de forma ordenada, começando pelos bancos da frente, todas as pessoas saem do seu lugar pelo lado de fora dos bancos em direcção ao fundo da igreja para, em procissão, irem depositar a sua oferta nos cestos em frente dos degraus do altar.
De seguida tem lugar a segunda fase do ofertório, quando os cestos são levados para o fundo da igreja e tem início a solene procissão ofertorial: toda a assembleia se levanta e acompanha, com o canto e movimento, a oferta dos dons.

Para além do ofertório e do pão e do vinho há outras ofertas que, todos os domingos, são levadas ao altar – e aqui está uma expressão da comunhão de bens. Hoje, por exemplo, entre as ofertas havia: arroz, pacotes de massa, farinha de milho, maçãs, café, detergentes para a louça e roupa, dois frangos (congelados), chá… Certo, não é com isto apenas que se resolvem os problemas dos pobres, ou que se consegue satisfazer todas as necessidades – mas esta é, sem dúvida, uma atitude de quem compreende o desafio cristão da fraternidade e da partilha dos bens.

Há porém outras formas de partilhar o que se tem – tudo o que se tem – para ajudar a construir a novidade que a comunidade cristã é chamada a ser. Que tipo de partilha? Estou pensando no meu colega e em mim mesmo: estamos a viver aqui em eMbalenhe, com estas pessoas a quem fomos enviados, aqui no lugar onde elas habitam; e não tenho a menor dúvida que nós somos os únicos brancos entre os mais de 200.000 habitantes de eMbalenhle; e não somos sul-africanos, nem estamos aqui a fazer dinheiro, não.
Estamos aqui como cristãos, como discípulos de Jesus de Nazaré, partilhando a nossa vida – a totalidade da nossa vida: O que está em jogo é a pessoa de cada um de nós – não apenas as nossas coisas.

20 abril 2006

Mbáli quer levantar-se…

Vou chamar-lhe Mbáli, Flor!
Sim, chamo-lhe Mbali porque estou em eMbalenhle, "no lugar da flor bonita".
Mas Mbáli está a definhar e a murchar; há mais de dois anos…
Tínhamos ido ver como andava os trabalhos de acabamento na nova igreja, que será inaugurada no dia 27 de Maio e… decidimos ir visitar a Mbáli. Entrámos no pátio – todo bem varrido e em ordem – e, de dentro da casa uma voz deu-nos as boas vindas. Era a mãe da Mbáli que lhe estava dando de comer.

Vivem num quarto, de 4 metros por três, forrado com chapas de zinco, construído nas dependências da casa da família que as acolhe. O pai da Mbáli faleceu no penúltimo mês do ano passado. O pouco que têm está em ordem e o ambiente está muito limpo. Em cima da mesa-de-cabeceira, um terço de plástico espera mãos que o usem em Oração…

Mbáli está deitada, de lado, com a cabeça ligeiramente mais elevada; os seus olhos – grandes e belos – sobressaem demasiado no rosto emagrecido; os braços estão debaixo do cobertor, não tem força para os levantar… Fazemos-lhe uma festa na cara, reconhece-nos e… esboça um sorriso. Mbáli tem uns 25 anos e é doente de Sida.
Há mais de dois anos que está assim. “De manhã quase quer levantar-se”, diz-nos a mãe que, carinhosamente, lhe vai colocando alguma comida na boca, “mas é impossível pois não se mexe da cintura para baixo”...

A mãe da Mbáli cuida dela dia e noite, mas não lhe vemos qualquer traço de rancor, irritação ou impaciência. Perguntamos ‘como conseguis viver’ e… deixamos uma ajuda para o que for mais necessário e urgente.

Não há muito para conversar, as palavras apresentam-se vazias e ocas de sentido perante tão silencioso sofrimento e – paradoxalmente – perante tanta serenidade. Levantamo-nos para rezar: ‘Senhor, por favor, olha por esta tua filha, dá-lhe força e, se é de acordo com a Tua vontade, por favor, dá-lhe as melhoras que ela tanto necessita’!

Uma outra carícia na face da Mbáli – e a resposta é o seu olhar: um olhar profundo, intenso, cheio de ânsia de viver. E é tudo quanto Mbáli nos diz.
Adeus Mbáli, bem hajas!

8 horas de… aleluia!



eMbalenhle, 15 de Abril de 2006

Durante o tríduo da semana Santa praticámos a alternância serviço das comunidades cristãs. Na quinta-feira o P. Giorgio foi a Lebohang e a Kinross, enquanto que eu celebrei a Eucaristia da Ceia do Senhor em eMbalenhle. Após a leitura do Evangelho e homilia seguiu-se o momento simbólico do lava-pés: Os doze ‘apóstolos’ demoraram algum tempo a ocupar os seus lugares mas, depois de perguntarem quantos eram necessários… lá apareceram todos! Colocaram os dois pés para serem lavados mas dado que “quem tomou banho, está limpo”… só um dos pés é que foi submetido ao ritual em que o sacerdote lavava o pé, enxugava-o e beijava-o.

Para a celebração da Paixão do Senhor, na sexta-feira, eu fui a Kinross onde a língua em uso é o inglês. A comunidade estava muito reduzida devido a várias famílias terem saído para aproveitar as férias da Páscoa.
Como não se fez a Via-Sacra pelas ruas, a celebração estava terminada após uma hora e quarenta cinco minutos.
Regressei a eMbalenhle para me integrar na celebração da comunidade: a Via-Sacra pelas ruas – durou duas horas – tinha terminado e estavam na leitura da paixão.

E chegou a noite por todos desejada: a vigília pascal – o umlindelo!
O início da celebração estava marcado para as dez da noite mas, três horas antes já havia gente à espera do início da vigília!
Uma grande fogueira reuniu as pessoas fora da igreja para a bênção do fogo novo; momentos depois toda a comunidade seguia o Círio pascal aclamando Cristo, Luz do mundo.


A vigília seguiu o seu curso normal com a liturgia da Palavra a ser extremamente enriquecida, participada e celebrada. Aqui não existem formas breves nem número mínimo de leituras: todas são indispensáveis! Após cada leitura – com o salmo e a Oração – seguia-se a partilha da Palavra por membros das 17 comunidades de base, partilha que era frequentemente sublinhada por cânticos iniciados espontaneamente na assembleia.



A liturgia baptismal ficou assinalada pelo ingresso de 18 novos membros através dos sacramentos da iniciação cristã: baptismo, crisma e comunhão. Quinze dos novos membros foram baptizados enquanto que três foram recebidos pois já tinham sido baptizados noutras Igrejas. Para completar a solenidade do momento, quatro pessoas que tinham sido baptizadas celebraram também o sacramento do casamento. E os aplausos encheram a igreja e anunciaram a manhã, prestes a romper!

Faltavam cinco minutos para as seis da manhã quando os sacerdotes e os acólitos chegaram à sacristia: oito horas intensas de celebração, alegria e partilha: tudo porque o Senhor ressuscitou e, uma vez mais, nós somos testemunhas – aleluia!

Não houve muito tempo para descansar, pois estavam agendadas duas Eucaristias para as nove da manhã, uma em Lebohang e outra em Kinross; o intervalo só deu para uma hora de sono… O corpo estava pesado mas o coração, esse estava cheio de alegria e gratidão porque… o Senhor está connosco!

18 abril 2006

padre bispo


Dundee, 12 de Abril de 2006

No dia doze de Abril – quarta-feira da semana Santa – dirigimo-nos para Dundee, no norte da província do KwaZulu-Natal, sede da nossa diocese, para tomar parte na Missa Crismal; foram duzentos e cinquenta quilómetros para cada lado e connosco viajou o P. Gerald, nosso vizinho e pároco de Evander.

Nesta Diocese de Dundee é tradição celebrar a Missa Crismal na manhã de quarta-feira da semana Santa para possibilitar a presença dos sacerdotes nas suas comunidades durante o dia de quinta-feira Santa.

A comunidade sacerdotal estava quase completa e a Eucaristia foi presidida por D. Michael Paschal Rowland, bispo emérito desta diocese. Devido à sua situação de saúde, D. Michael retirou-se há um ano do serviço activo; estamos agora á espera que seja nomeado um novo bispo…

Em Outubro de 1993, um mês após a minha ida da África do Sul para Portugal, D. Michael visitou-me em Fátima; concelebrei várias vezes com ele na capelinha das Aparições; foi a casa do meu irmão Domingos, em Proença-à-Nova, e a casa da minha Mãe, na Zoina!

D. Michael, franciscano e primeiro bispo de Dundee, é um homem muito simples, amigo e fraterno; o único título com o qual deseja ser tratado é «father bishop» - padre bispo.
Agora, no nosso re-encontro após mais de doze anos, manifestou-me a sua grande alegria e gratidão pelo meu regresso à sua diocese, acabando por referir que «já te esperava há três anos»!

No regresso a casa passámos pelo Centro Pastoral Diocesano «Pax Christi», em Newcastle, para adquirir alguns objectos religiosos. A capela do Centro Pastoral – construída no início dos anos noventa – é dedicada ao nosso Fundador, o Beato José Allamano. Nas proximidades de Newcastle os missionários da Consolata têm a seu cuidado três grandes comunidades cristãs – Madadeni, Blaauwbosh e Osizweni – onde trabalham quatro missionários: um italiano, um ugandês, um colombiano e um queniano.

Quando já estávamos perto de eMbalenhle, parámos para… apanhar «kosmos»! Os kosmos são flores silvestres que, nesta época do ano, cobrem extensões enormes de terreno, dando aos campos um aspecto deveras maravilhoso. A razão de as apanhar era para enfeitar o altar da reposição na noite de quinta-feira.

À volta do altar

eMbalenhle 4 de Abril de 2006

Nas escolas da província de Mpumalanga as férias da Páscoa começaram ontem. É necessário aproveitar bem os dias desta primeira semana de férias para preparar convenientemente a Semana Santa que se aproxima, em particular, a sua dimensão litúrgica.

Tendo em vista o tríduo pascal, os acólitos dos três centros de culto – eMbalenhle, Lebohang e Kinross – foram convocados para um dia de formação, convívio e Oração.
Estavam preparadas trinta cadeiras mas… não foram suficientes.
A parte da manhã foi dedicada à formação, levando os jovens a tomar conhecimento dos acontecimentos que a Igreja celebra na semana maior do ano litúrgico, e das suas consequências para a vida dos discípulos de Cristo.

Após um momento de oração, P. Giorgio começou por apresentar uma visão geral da Semana Santa, fixando-se em particular sobre o Domingo de Ramos e a sexta-feira Santa. Optou-se por usar o inglês como língua de trabalho, dado que alguns não tinham acesso ao zulu, mas o dia acabou por ser uma imagem da diversidade linguística tão característica deste país.




















Na segunda parte da manhã, foi a minha vez de apresentar uma reflexão sobre o mistério que celebramos na quinta-feira Santa – a Eucaristia – ajudando os jovens a descobrir e a assumir a grandeza do serviço litúrgico, assim como a relação privilegiada com a Eucaristia que eles são chamados a cultivar.

A manhã tornou-se longa e a fome já apertava… O almoço foi uma especialidade: papas de milho com carne e salsichas assadas na brasa!




















O encontro terminou a meio da tarde, com o grupo reunido à volta do altar após uma hora de adoração Eucarística.

Deixai vir a Mim as criancinhas



eMbalenhle 3 de Abril de 2006

Aproveitando o primeiro dia das férias da Páscoa, nesta segunda-feira tivemos, aqui na missão, uma actividade com um grupo de crianças órfãs: Têm idades compreendidas entre os seis e os 15 anos, e são crianças que o meu colega está ajudando através de ofertas que lhe vêm da sua terra natal, no norte de Itália.
Estes quinze órfãos passaram aqui parte do dia para… responderem às crianças italianas que, juntamente com as ofertas, enviaram também desenhos fazendo a descrição da aldeia e da escola, ao mesmo tempo que se apresentavam e enviavam saudações para as crianças órfãs de eMbalenhle.

As crianças chegaram pelo meio da manhã: após uns momentos de brincadeira tiveram direito a uma chávena de chá com leite e pão com manteiga.




















Numa das salas de catequese estavam expostos os desenhos vindos de Itália, todos devidamente traduzidos – pelo P. Giorgio – de italiano para zulu: as crianças observaram com atenção, alegria e gratidão os desenhos que lhes tinham sido enviados.

De seguida, armados com lápis e borracha, debruçaram-se sobre folhas de papel e… toca de responder aos amigos italianos; quando todos terminaram o seu próprio desenho foi lindo verificar – uma vez mais – como a capacidade criativa das crianças é deveras ilimitada. Eram lindos os desenhos dos nossos órfãos: falavam deles, do lugar onde habitam – eMbalenhle – da escola, da igreja, do que gostam de fazer, como gostam de brincar. Mas, nos desenhos das nossas crianças, não havia menção de pai ou mãe…

















Como conclusão de todo o ‘trabalho’ todos tiveram direito a um prato de arroz com frango, acompanhado com um copo de sumo e – a terminar – uma guloseima: ovos de Páscoa, oferecidos pelo pároco da cidade vizinha, Evander.

O dia foi lindo para as crianças e muito gratificante para nós missionários: não há nada mais bonito do que a beleza do sorriso de uma criança feliz!

15 abril 2006

zúlu - inglês - zúlu - sútu


eMbalenhle 3 de Abril de 2006

O dia foi muito agradável, se bem que algo exigente: saímos de casa: às 6,40 para a primeira Eucaristia às 7,30, em zulu (eram uma comunidade de africanos negros); depois fomos para outra que iniciou já passava um pouquinho das nove para outra, desta vez em Inglês e à qual eu presidi; viemos a correr aqui para casa, onde às 10,30 tivemos outra em zúlu: foram duas horas de Eucaristia em que, no final, tivemos a eleição do Conselho Paroquial! E foi muito linda, os cânticos muito cheios de vida e expressão, com procissões dançantes da palavra e dos dons.

Depois de acolher um grande número de pessoas que veio tratar de assuntos vários com o padre, comemos alguma muito à pressa e fomos para a última Eucaristia do dia, nas dependências de uma mina de ouro: as pessoas eram apenas 13 mas...a Missa demorou uma hora e vinte; nós celebrámos a Missa em zulu mas as pessoas leram as leituras e cantaram em súto, e cantaram tudo!!!

Hoje o meu colega foi comigo, dado que eu nem sabia por onde ir, mas na semana santa terei que ir eu para um lado e ele para o outro; ele ficará aqui em casa (a comunidade é muito maior) e eu andarei por fora. É um ambiente muito diferente daquele em que eu estive da outra vez que cá estive, também pela mistura linguística, que se torna muito expressiva nos cânticos, então os cânticos em sútu são duma força e vivacidade impressionantes, lindos!

12 anos depois


eMbalenhle 30 de Março de 2006

Cheguei à África do Sul, na passada terça-feira, 28 de Março de 2006; a última etapa da viagem constou de 11 horas de voo no-stop – coitadas das minhas pernas, costas e dos meus fracos “apoios”!
O p. Carlos Domingos (um missionário da Consolata português, a trabalhar na África do Sul hà 12 anos) foi buscar-me ao aeroporto e... apanhou duas horas de seca à minha espera; viemos almoçar - já passava das três da tarde - aqui a eMbalenhle, que já é na diocese de Dundee, mesmo no topo norte, ligando com a de Johannesburgo; ele queria levar-me a visitar a missão na diocese de Pretória e a outra na diocese de Johannesburgo mas o Superior estava aqui à espera e, por isso, viemos logo aqui para eMbalenhle.

eMbalenhle, a missão onde me encontro, é um nome que significa «no lugar da flor bonita». Na verdade, eMbalenhle é uma cidade de cerca de 240.000 (duzentos e quarenta mil) habitantes - a grande maioria a viver em barracas de chapa...
Esta cidade foi iniciada nos tempos do apartheid como lugar de habitação para os africanos negros situados na proximidade de Secunda e Evander - daqui a Secunda são 20 Km... - cidades que vivem das minas de carvão e ouro e, sobretudo, das estações energéticas da Sasol. Os missionários da Consolata já trabalharam aqui no início dos anos 80, mas então viviam na cidade branca de Evander; regressaram há poucos anos atrás, fruto da opção preferencial e exclusiva pelos mais necessitados, os africanos negros dos grandes slums urbanos.

Para mim tudo é novo aqui em eMbalenhle, apenas o colega com quem estou não é novo: porque tem 64 anos, e porque há doze anos eu tinha estado com ele uns cinco anos, mas numa realidade completamente diferente daquela em que nos encontramos agora. De qualquer modo, creio que não haverá problemas de maior (ele tem grande experiência pois já está neste país há 34 anos) e saberemos trabalhar juntos para o bem desta gente. Entre os 240.000 habitantes os católicos conhecidos são pouco mais de dois mil, nem chegam a ser 1%...
Do nosso território fazem ainda parte outros dois lugares contando mais de 150.000 habitantes: Lebohang e Kinross.
Estou num mundo imenso e, por enquanto, eu nem me sei orientar no meio de tantas quelhas, ruas e estradas, numa geografia quase plana onde tudo me parece a mesma coisa; mas creio que será uma questão de tempo e... de ir abrindo os olhos, a mente e o coração.

Estarei aqui em eMbalenhle pelo menos até aos meados de Maio – e o motivo mais urgente é para o serviço da Semana Santa, dado que temos três centros de culto...; de 8 a 12 de Maio teremos a Conferência da Delegação e, a seguir, terei um mesito para rever a língua Zulu; depois disso não sei se me mandam para aqui de vez, ou se será para outro lado; mas... estou em crer que será para aqui, pois é este o lugar que está vazio...