18 fevereiro 2009

Acordai! Defendei a Nossa Democracia

Carta Pastoral na Preparação das Eleições Livres em 2009

 

Acordai! Acordai! Defendei a Nossa Democracia

 

17 Fevereiro 2009

 

Depois de 15 anos de democracia, estamos uma vez mais nas vésperas de novas eleições para escolher um novo governo. Desde as eleições ”milagrosas” de 1994, quando Deus respondeu às nossas orações, pedindo a paz, a excitação por causa do fim do apartheid e da nova experiência de votar passou. A África do Sul é uma democracia emergente, com todos os seus debates vigorosos, conflitos de interesses e respectivas lutas pelo poder.

 

Desafios Pendentes

Como nação fizemos muitos progressos ao longo dos últimos anos. Nós agradecemos a Deus pelos líderes sábios e desinteressados que nos ajudaram a conseguir isto e pela boa vontade manifestada por muita da nossa gente. No entanto estamos conscientes dos enormes desafios que enfrentamos. Nós sabemos que não há soluções fáceis para os problemas que enfrentamos, tais como:

 

- A pobreza, a crescente diferença entre ricos e pobres, o aumento dos preços e a falta de empregos;

- A falta de casas condignas, de serviços públicos e de prestação de serviços;

- Famílias instáveis, o aumento da violência doméstica e da gravidez juvenil;

- Exploração sexual e abuso do álcool e das drogas;

- Aumento das facilidades para o aborto;

- Os altos níveis de crime e violência, e um sistema judicial lento e muitas vezes ineficaz;

- O enfraquecimento dos órgãos da sociedade que deveriam fortalecer a nossa democracia, (tais como SABC e os tribunais de justiça);

- O aumento do HIV &AIDS e a condição vulnerável das crianças;

- A baixa qualidade da educação pública;

- O influxo de migrantes e refugiados e a correspondente xenofobia.

 

Estes e muitos outros problemas são um sério desafio para qualquer governo, e pertence a cada um de nós decidir qual o partido que apresenta a política e compromissos mais adequados para os enfrentar com eficácia. É importante julgar um partido pela sua visão política a respeito dos valores-chave do Evangelho, tais como a promoção da vida humana, a dignidade humana e a justiça, como reacção aos pontos acima referidos.

 

À medida que nos aproximamos das eleições, nós, vossos Bispos, gostaríamos de partilhar o nosso pensamento acerca da nossa jovem democracia, e sobre o que ela deveria ser. Embora haja muitos debates positivos e saudáveis acerca do que significa uma democracia, nós estamos conscientes de tendências que pensamos serem uma verdadeira ameaça. As tragédias que se seguiram às eleições no Quénia e no Zimbabué em 2008, lembram-nos, mesmo que a nosso caso não seja o mesmo, que nós não podemos descansar, e que defender uma autêntica democracia é um contínuo desafio.

 

De que é que nos devemos defender?

1. Cuidado com a lealdade cega

Nós não devemos continuar a votar por um partido simplesmente porque foi aquele que sempre apoiámos (uma atitude de “é o meu partido, tenha ou não razão”). Todo o cidadão deve perguntar se o partido que ele apoiou no passado está a fazer uma real contribuição para o progresso do nosso povo. Seguindo Jesus, compreendendo o que significa solidariedade, em Marcos 3:35, a nossa primeira lealdade deve ser para os nossos concidadãos e para com o bem do nosso país como um todo, não para com um partido ou líder determinado, “Todo aquele que faz a vontade de Deus, é meu irmão, minha irmã e minha mãe”. Não há nada de errado em mudar a nossa escolha de partido. Na verdade, às vezes é necessário fazer isso para que a democracia permaneça dinâmica e saudável. Lembremos que numa verdadeira democracia, nós não podemos basear a nossa escolha na raça, língua, tribo ou grupo cultural, mas nas políticas e nas posições dos vários partidos.

 

2. Cuidado com a intolerância e a intimidação

A liberdade de expressão não dá a uma pessoa o direito da falar abusivamente acerca dos outros. Assim, devemos ser cuidadosos em evitar dizer ou fazer qualquer coisa que intimide os outros, limitando assim a sua liberdade. Tais acções denotam intolerância ou falta de respeito para com outros modos de ver ou outras crenças e, de qualquer modo, uma tentativa de forçar alguém a votar num determinado sentido. Em Lucas, 6,35, nós somos alertados: “amai os vossos inimigos a fazei o bem”. Deste modo, o uso de linguagem violenta e de ameaças, é completamente inaceitável. O opositor, num contexto democrático, ao contrário do que acontece na luta contra a opressão, nunca é alguém que deva ser ultrapassado, mas antes um competidor que me desafia a examinar os meus próprios valores e convicções.

 

3. Cuidado com a corrupção

A corrupção (incluindo o favoritismo para com familiares e amigos no que respeita a empregos) destrói todas as conquistas da nossa luta pela justiça. Leva o povo a sentir-se desiludido, sem poder e sem esperança. Isto enfraquece a sua participação e destrói o coração da democracia. Todos nós precisamos de exigir uma contínua transparência e espírito de serviço por parte dos nossos líderes, a todos os níveis. Infelizmente, muita gente tem medo de desafiar a corrupção porque também eles são tentados por vezes a cair nela, ainda que seja em pequenas coisas, tais como procurar favores por parte dos amigos investidos em autoridade, ou na evasão fiscal. Todos nós precisamos de resistir à tentação, do modo que lemos em Mateus, 7:21, “Tira primeiro a trave do teu olho e então verás claro para tirar o cisco do olho do teu irmão”.

 

4. Atenção ao nada fazer

Numa verdadeira democracia todos os cidadãos são chamados a participar e a responder às questões que se levantam no dia a dia – não só em tempo de eleições. Contudo, muitos de nós nada fazemos porque nos sentimos impotentes para provocar uma mudança. Isto facilmente desenvolve uma atitude de dependência, em que simplesmente esperamos que seja o governo a tomar decisões e agir. Quando os cidadãos deixam de participar e não se importam de votar, os que se encontram em posição de autoridade sentem--se à vontade para agir como lhes agrada, sem medo de serem desafiados. Como nos é recordado em Mateus 7:21, “Não é aquele que me diz: “Senhor, Senhor” que entrará no Reino dos Céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos Céus”. Vamos comprometer-nos, cada um de nós, a construir o nosso país e a nossa democracia em conjunto, e a fazer um esforço para nos tornarmos envolvidos num processo que dê esperança àqueles que ainda esperam por um futuro melhor.

 

A nossa tarefa como Cristãos

Como Cristãos, nós somos chamados a trabalhar com todos os sul-africanos para assegurar o crescimento dos valores e procedimentos democráticos. Nós acreditamos que Jesus Cristo nos mostra o caminho da plenitude da vida. Por isso, neste tempo de eleições nós somos especialmente chamados a considerar as seguintes exigências da nossa fé:

 

1. Devemos promover os elementos centrais do Ensino Social Católico, incluindo:

a. Respeito pela vida e pela dignidade humana;

b. Responsabilidade social e o bem comum;

c. Uma justa distribuição da riqueza e dos recursos naturais;

d. A importância da participação e

e. A compassiva solidariedade para com os pobres e marginais.

 

2. Devemos escutar as necessidades dos pobres e dos marginais, fazendo delas a nossa prioridade.

 

3. Devemos ter a coragem de defender as nossas convicções no meio dos nossos amigos, vizinhos e colegas, e nas nossas actividades políticas; mas mostremos também respeito pelas opiniões dos outros, e estejamos preparados para aprender deles.

 

4. Vamos promover os valores da família e os valores de ubuntu, desafiando o individualismo e a ambição.

 

5. Vamos  promover o respeito pela Lei e exigir que os nossos líderes políticos façam o mesmo.

 

6. Devemos estar atentos e vigilantes para desafiar todas as ameaças à nossa democracia.

 

Uma Chamada à Oração

Para nos apoiar na realização da nossa tarefa como Cristãos, pedimos a cada paróquia para começar uma vigília de oração, a partir de agora até às eleições. Pedimos também que, em cada missa, durante este período, a seguinte oração, ou outra semelhante, seja incluída na Oração dos Fiéis:

“Senhor, pedimos que as nossas próximas eleições sirvam para um aprofundamento da nossa democracia, e que nós cumpramos os nossos deveres de cidadãos de modo responsável e no respeito pelos direitos dos outros. Que as escolhas que fazemos possam trazer esperança aos pobres, unidade a todo o nosso povo e um futuro mais seguro e pacífico para as nossas crianças”.

Esperamos que todas estas orações  nos inspirem e nos decidam à acção, de tal modo que a Igreja venha a ser uma grande força na construção da justiça e da paz na nossa amada terra.

Que Deus abençoe a África.

 

Arcebispo Buti Tlhagale

Presidente Conferencia dos Bispos Católicos da Africa do Sul