22 agosto 2007

77 anos a sorrir



Fez a Profissão religiosa há 47 anos na ordem de S. Bento. Mas diz que é Beneditino desde o seio materno, pois os pais baptizaram-no com o nome de Benedict, Bento.


Nasceu na Swazilândia mas vive na Abadia de Inkamana, perto da cidade de Vryheid, no norte da província do KwaZulu-Natal. Quando vem á zona de Newcastle, coisa que acontece frequentemente, fica em nossa casa na location de Madadeni.

Mais de duzentas mil pessoas vivem em Madadeni (antiga cidade para negros), uma das duas grandes locations (também chamadas townships) criadas nos tempos do apartheid para albergar a população negra e tê-la longe da cidade; estamos a quinze quilómetros da cidade de Newcastle (a antiga cidade branca), o que quer dizer a 15 km de qualquer possibilidade de encontrar trabalho ou coisas para comprar; exceptuando, claro está, professores, enfermeiros e polícias. A outra cidade negra, Osizweni, está ainda mais longe da cidade, a trinta quilómetros.

Bem, mas voltemos ao Irmão Bento; hoje apareceu cá em casa com o hábito beneditino todo ‘enfeitado’ com medalhas e outros prémios: a medalha grande é fruto da participação, no princípio do mês, numa caminhada de cinquenta quilómetros organizada pelo Hospital Privado e destinada principalmente a dadores de sangue. É certo que o Irmão Bento não ganhou o primeiro prémio da caminhada mas, do alto dos seus setenta e sete anos, “não fui o último dos 1076 participantes aliás, á chegada, tinha muito mais gente atrás de mim do que á frente”! O Irmão Bento – que calça sempre sandálias feitas com borracha dos pneus, izimbadada – contou que vários carros afrouxaram e, ao verem-no idoso, lhe ofereceram boleia: “muito obrigado, mas estou aqui para caminhar e chegar ao fim, com muita alegria”!

Os outros prémios que o hábito beneditino ostenta referem-se ao longo percurso do Irmão Bento como dador de sangue, um percurso infelizmente a chegar ao fim: “disseram-me que o sangue de pessoas da minha idade já não é bom, tem muita água dizem eles”.

A imagem do Irmão africano de hábito negro é muito conhecida aqui na zona de Newcastle: o seu apostolado é fundamentalmente visitar hospitais e cadeias, em especial uma cadeia para jovens. “Durante anos fiz a viagem de bicicleta”. De Inkamana a Newcastle são cem quilómetros, para cada lado, sem contar com os desvios – “as prisões não estão no centro da cidade”!

A simplicidade e afabilidade do Irmão Bento são tão visíveis e imediatas que se podem tocar com a mão – e um sorriso contínuo e encantador: “é o que temos para dar, e nunca acaba”!

Bem-haja, Irmão Bento Ntshangaze!

21 agosto 2007

ide, fazei discípulos!






A Diocese de Dundee realiza anualmente, em Setembro, uma Peregrinação ao santuário mariano de Maria Ratschitz, situado na base de uma montanha nas proximidades da cidade que dá o nome á diocese.

Houve tempos em que a jornada da Peregrinação incluía uma noite de vigília mas, actualmente, ela realiza-se no sábado mais próximo da festa de Nossa Senhora das Dores – padroeira da missão Maria Ratschitz.

Este ano, porém, a Peregrinação terá lugar no domingo dia 16 de Setembro; a razão da mudança prende-se com o Programa de Recuperação Académica em vigor na província do KwaZulu-Natal: os professores têm que dar aulas aos sábados repondo, assim, os dias perdidos com a greve de três semanas no mês de Junho.

As cerimónias da Peregrinação têm início marcado para as 9 horas, daí que as comunidades cristãs do norte da diocese – a mais de 300 quilómetros de distância do santuário – comecem a jornada pelas 3 horas da manhã.

“Ide e fazei discípulos” é o tema escolhido para este ano, um esforço para potenciar a acção evangelizadora a que todos os baptizados são chamados.

A Peregrinação é organizada, rotativamente, por uma das cinco zonas pastorais da diocese. Este ano é a vez da área central da diocese, Newcastle – a zona na qual está integrada a Missão de Osizweni.
Somos 4 padres, cada qual de seu país: Malawi, África do Sul, Quénia, Uganda e, claro está, Portugal. Sou o “patinho feio” cá do grupo, o único “Branquinho da Fonseca” e, para mal dos meus muitos pecados, acontece que sou eu o coordenador da zona pastoral. Deste modo caiu-me em cima a responsabilidade da Peregrinação que, graças a Deus, não é coisa a que não esteja habituado…

Tivemos ontem a última reunião de preparação: um belo exercício de fraternidade e colaboração entre os vários representantes das comunidades e grupos. A partir de agora é nas comunidades da diocese que o processo de preparação espiritual terá lugar; um processo que visa elaborar sugestões concretas para a evangelização nesta igreja local de Dundee.


20 agosto 2007

encontros 2

15 agosto 2007

Foi hoje, há trinta anos!



















Foi hoje, há trinta anos!
Era segunda-feira; em Fátima havia ainda muitos dos peregrinos do dia 13 de sábado; foram á Missa na Consolata, misturaram-se com os familiares, amigos e benfeitores congratulando-os pelo novo sacerdote missionário; ficaram cativados pelas palavras de Isaías citadas por Lucas: “para anunciar a Boa Nova aos pobres” – um caminho a percorrer, um programa a realizar á mistura com a fraqueza consciente e os anseios do entusiasmo e do ideal.

Bem hajas, Senhor, pelo dom que és em mim e através de mim!

Hoje, como ontem, apraz-te manifestar a tua força na minha fraqueza… Bem hajas!

É hoje, há trinta anos: Para anunciar a Boa Nova aos pobres, agora em Osizweni.







04 abril 2007

morre salvando vidas

“Podemos salvar mais uma vida” foram as últimas palavras da Irmã Anne Thole, da Congregação das Irmãs Nardini, para uma outra Irmã antes de voltar a entrar no edifício em chamas que acolhia os doentes terminais de HIV/Sida. No primeiro andar havia ainda outros três doentes acamados. A colega da Irmã Anne – Immaculate Ndlovu – conseguiu escapar segundos antes de o telhado pegar fogo e desabar, matando os doentes e a heróica Irmã Anne.

Após ter entrado e saído várias vezes do edifício em chamas, de onde conseguiu retirar cinco doentes, a Irmã Anne tentou salvar mais vidas – “podemos salvar mais uma vida” gritou ela para a outra Irmã – e acabou oferecendo a sua própria vida. Uma heroína!

A trabalhar há dois anos na Missão de Maria Ratschitz perto de Dundee, sede da nossa diocese, a Irmã Anne de 35 anos de idade, tinha trabalhado na pastoral vocacional e ultimamente tinha a seu cargo a formação das postulantes.

O edifício que servia de hospício para os doentes terminais de HIV/Sida tinha sido restaurado nos anos noventa sob a directa supervisão da Herança Patrimonial do KwaZulu-Natal pela qual era protegido.
Após a restauração do edifício – construído pelos Monges Trapistas na última década do século dezanove – as Irmãs Nardini fizeram dele o centro de apoio aos doentes de HIV, instalando aí um hospício que tem ajudado um elevando número de doentes. Até que, na noite de sábado para domingo, de 31 de Março para 1 de Abril, um incêndio deflagrou no primeiro andar do edifício reduzindo tudo a cinzas, só os muros exteriores ficaram de pé; lá dentro um monte de cinzas cobre o que resta de quatro corpos: os três doentes e a Irmã Anne que, para os salvar, deu tudo o que tinha – a sua própria vida!

“O nosso programa de apoio aos doentes de Sida vai continuar” garante a Irmã Irmingard Thalmeier, encarregada do programa, “mas o incêndio e destruição do edifício representa uma grande barreira para os doentes que necessitam de cuidados constantes e continuados”. E conclui: “A Irmã Anne é uma verdadeira heroína, estou certa que vale a pena morrer tentando salvar uma vida”.

Tal como Jesus: ontem em Jerusalém – hoje na Missão de Maria Ratschitz.

20 março 2007

os rebuçados da Sofia

Um dia a Sofia perguntou á mãe se também podia ter um tio padre, tal como o João tem um tio padre. A partir daí fiquei com mais uma sobrinha, lindíssima!


A Sofia fez anos em Fevereiro e ofereceu um pacote de rebuçados a cada um dos colegas da turma. Ao vê-la preparar os pacotes disse-lhe: Sofia, os teus colegas têm muita sorte pois recebem um pacote de rebuçados cada um, enquanto que os meus meninos, em África, só podem receber um rebuçado cada um...


No dia seguinte, enquanto tomávamos o café, a Sofia saiu do pé da mãe pôs-se á minha frente e, com aqueles maravilhosos olhos achinesados, atirou: Tu podes levar rebuçados para África? Podes?


Claro que trouxe! Eram uns bons cinco quilos e dei-os ás crianças de um dos três infantários da missão onde me encontro, Osizweni (nos três infantários tenho mais de trezentas crianças). Certo, para elas rebuçados são rebuçados não interessam de onde vêm. Mas para mim foi uma enorme alegria, eram os rebuçados da Sofia. E eu imaginava como ela estaria feliz se visse os meninos com os rebuçados que ela ofereceu.

Há anjos na terra, a Sofia é um deles!





























































13 março 2007

tou vivo!

Certo que sim, dado que estou a escrever estas letras!
Há dois meses e meio que não apareço por aqui - não é por falta de vontade, isso não - mas o dia-a-dia têm outras exigências, e têm prevalecido.
 
O tempo da Quaresma tem vindo a ocupar o centro das atenções; e não apenas no que á liturgia diz respeito; estou a celebrar a Liturgia nas igrejas, particularmente no que diz respeito ao acompanhamento final dos que serão baptizados na noite de Páscoa - é um caminho lindo, simultaneamente humano e divino - maravilhoso.
 
Mas essa celebração da Quaresma continua na visita aos doentes: como é doloroso ver Deus sofrer... e só me resta estar lá com eles e confiar que Ele pode fazer o milgare - sim, Ele pode fazer o milagre de não obstante tudo - e o tudo é mesmo a totalidade da vida que se esvazia, pode fazer o milgare de continuarmos a confiar n'Ele. Mas é tão difícil que me consome as forças.
 
Fiquei feliz ao ver que a Philile ainda cá estava; mas, ao mesmo tempo, quanto sofrimento ao ver que são apenas vinte e quatro anos, embrulhados em pele e osso, olhos sem brilho e um rosto que não se lembra de quando sorriu pela última vez; o que come deita fora, não consegue caminhar e passa o tempo na cama com a avó - oitenta e três anos sem mobilidade. Para nós é apenas Quaresma, mas para a Philile já é sexta-feira da Paixão.
 
Philile - cujo nome significa "a que viveu" - é uma das 25% de raparigas deste país entre os vinte e os vinte e cinco anos que estão infectadas com o vírus do HIV. É tremendo, dramático: um quarto das mulheres que no futuro próximo deviam ser mães e esposas estão infectadas...
 
A minha celebração da Quaresma continua na presença mais assídua junto das mais de trezentas e cinquenta crianças dos três infantários da missão de Osizweni: que beleza, é como viver todos os dias em dia de Páscoa! E como é bom ter a consciência de que, como sabemos mas ás vezes não acreditamos, a vida não acabou em sexta-feira santa - não, o horizonte da Vida é manhã de Páscoa! As nossas crianças, com a sua vitalidade, beleza e alegria são a maior prova de que Deus não se escondeu nem se esqueceu - não! Ele habita a nossa história; mesmo se feita de dor, sofrimento e morte. Ele é a Vida que está em nós! Estamos na Quaresma mas já vivemos na Páscoa, se assim não fosse que vida seria a nossa?
 
Ontem tive uma reunião com líderes das comunidades para programar a semana santa - apenas três apontamentos:
- No domingo de ramos terá lugar uma celebração conjunta com as comunidades Católica, Anglicana, Luterana e Metodista; A entrada triunfal de Jesus em Jerusalém será celebrada no campo de jogos, seguida de procissão pelas ruas da township; infelizmente não podemos terminar juntos: após a procissão cada qual irá para a sua igreja para continuar a celebração: é o drama da separação a atingir e a ferir o anseio de união do coração humano.
- A celebração da sexta-feira santa será precedida por três horas de via sacra pelas ruas de Osizweni.
- A Vigília pascal está agendada para começar ás dez da noite e... terminar ás seis da manhã.
 
Vai ser uma semana cheia e em grande - a semana maior!
Haja corpo para aguentar!