05 maio 2008

blogar a Missão


No passado dia 28 de Abril nasceu o blog do Congresso Missionário Nacional, que terá lugar de 3 a 7 de Setembro 2008.

O blog pretende ser um espaço aberto às inúmeras iniciativas de cariz missionário das diversas Dioceses do País, dos Institutos Missionários Ad Gentes e outras associações eclesiais.

“Portugal, vive a Missão, rasga horizontes”!


maputo: "chapas" e protestos violentos

Escrevi este post no dia 5 de Fevereiro quando me encontrava em Maputo; só agora me é possível publicá-lo; ele aqui vai como partilha desses dias.

São vários meses que não "apareço por aqui"... hoje, porém, dá-se o caso que tenho um acesso "decente" á Internet e aproveito a ocasião para partilhar - ainda que muito brevemente - a situação que está a ter lugar na cidade do Maputo, Moçambique.

Cheguei anteontem á capital Moçambicana e, caso a situação o permita, voltarei para a África do Sul amanhã, quinta-feira. Comigo estão o meu irmão e esposa - Domingos e Lina - que vieram até á África do Sul numa viagem relâmpago de duas semanas; connosco está também o meu colega Carlos Matias, a trabalhar na Missão de Damesfontein, África do Sul.

Ontem de manhã o Superior dos missionários da Consolata em Moçambique levou-nos a visitar os nossos colegas que se encontram a trabalhar na Missão de Likeleva: os padres Salvador Forner, Manuel Tavares e Guilherme Pinilla.

A ida para Likeleva foi marcada por uma mudança forçada do trajecto inicial que nos tínhamos proposto; isso aconteceu devido a algo que - naquele momento - não pudemos identificar. Chegámos a Likeleva, saudámos os colegas, saboreámos um delicioso cafezinho que nos foi oferecido e deleitámo-nos com uma conversa de irmãos e amigos que há muito não se encontravam. A alegria, porém, depressa se transformou em ânsia e preocupação; o padre Carlos Alberto telefona-nos do Maputo e, em poucas palavras, conta-nos que as principais vias da cidade estão cheias de população protestando contra os aumentos dos "chapas" - o meio de transporte pós-colonial típico de Maputo; "despachem-se, não há tempo a perder, a multidão arrasta consigo uma onda de destruição e ataque contra qualquer viatura que circule nas principais artérias de entrada e saída cidade".

Não foi preciso mais nenhuma aviso, dirigimo-nos apressadamente para a N4 - a estrada trans-africana que atravessa o continente desde Walvis Bay, na Namíbia, até Maputo - o único acesso possível para o Maputo. Chegámos ás portagens e... os acessos fechados e os carros a voltarem para trás deram-nos uma mensagem clara: o acesso á cidade era completamente impossível, não havia nada a fazer senão voltar para Likeleva e... esperar - e assim fizémos. Uma espera longa, dolorosa e sem hipóteses de solução á vista.

Os colegas da Missão raparam quanto havia na dispensa, deram-nos o almoço e foram dizendo que, dada a incerteza da situação, a coisa mais certa seria pernoitarmos em Likeleva.

Já passava das cinco da tarde quando o padre Artur, após mais uma saída de investigação, nos diz ter visto colunas policiais de escolta para acompanhar os carros a entrar na cidade; decidimos tentar a sorte e dirigimo-nos apressadamente para a tal N4... após algum tempo começámos a ver os sinais de destruição deixados pelos protestos; lá conseguimos entrar na coluna policial, mas calhámos a ficar muito atrás, éramos o penúltimo carro da coluna, bastante longe dos militares e da protecção que eles poderiam oferecer; a coluna tanto viajava na sua faixa de rodagem como em contra-mão num tremendo ziguezague pelo meio e por cima de pneus em chamas, pedras de toda a medida e peso, rails atravessados na estrada, troncos de árvores e todo o tipo destruição; mas o pior não era isso. O pior eram as pedras que voavam na nossa direção atiradas de todos os lados, o som metálico-seco das pedras a baterem na chaparia dos carros á mistura com os disparos de balas de borracha que a polícia usava para afastar os desordeiros.

Por várias vezes fomos obrigados a interromper a marcha devido aos obstáculos á nossa frente ou á resistência dos manifestantes que teimavam em não se afastar mesmo se as balas de borracha choviam sobre eles. No meio da correria desenfreada muitos carros foram danificados: pára-brisas e vidros partidos, choques em cadeia e toques de todos os tipos causados pelo rally a que as viaturas eram obrigadas devido aos obstáculos colocados na estrada.

Na última rotunda a minha cabeça ficou a milímetros de uma pedra, maior que um tijolo: acabávamos de nos desviar de um carro queimado no meio da estrada quando uma jovem correu a toda a velocidade em direcção a nós, segurando uma pedra com as duas mãos á altura da cabeça: o padre Artur acelerou a fundo e a reunião entre o agressor e o veículo ficou atrasada nuns centésimos de segundo - o suficiente para ouvirmos apenas o roçar do corpo da agressora no lado esquerdo da carrinha, já para trás da cabine; as consequências que as nossas mentes fulmíneamente anteciparam não chegaram a acontecer, felizmente para nós.

Depois de toda uma série de desvios, para evitar as vias bloqueadas por detritos e povoadas de agressores dispostos a tudo, chegámos finalmente a casa e ficámos a saber que o aeroporto estava fechado e que a estrada para o Norte estava ainda pior do que aquela que tínhamos percorrido.

Agradecemos o bom Deus porque nada de sério tinha acontecido aos vários membros da comunidade que se viram envolvidos na situação, e rezámos esperando que a situação se normalize o mais depressa possível e que as exigências dos pobres sejam acolhidas pelos governantes.