29 maio 2006

adeus eMbalenhle














Dois meses mais uns dois ou três dias, foi o tempo que permaneci em eMbalenhle.
Desde o princípio que não existia certeza sobre a duração da minha estadia aqui mas – depois deste tempo – já não é fácil nem imediato deixar este lugar.
Agora é o tempo do adeus ao lugar, sim, mas sobretudo às pessoas.
A alma fica-me regada por uma imensa gratidão: tudo me foi dado!

O meu colega, padre Giorgio Massa – em África há mais de trinta anos – fica agora sozinho em eMbalenhle, um lugar imenso com um único missionário; são mais de duzentas mil as pessoas que habitam nesta zona onde os católicos são apenas uns dois mil: ‘A seara é grande mas os trabalhadores são poucos’… Sim, somos tão poucos que teremos que deixar a missão de eMbalenhle, até finais de 2008, para podermos implementar a norma de três missionários em cada comunidade: É a prioridade da qualidade do testemunho sobre a quantidade de serviço.

Adeus eMbalenhle que estás crescendo na diversidade das tuas quatro comunidades compostas de mais de vinte pequenas comunidades de base.
Adeus eMbalenhle, guiada e fortalecida pelos teus dedicados animadores de comunidade e ministérios.
Adeus eMbalenhle cheia do fumo acre do carvão que os teus habitantes usam para cozinhar e se aquecer neste frio Inverno.
Adeus eMbalenhle, cheia de tantos doentes sem esperança de cura: estão atingidos pela sida – autêntica peste do século.

Adeus eMbalenhle!
Como eu desejo e rezo para sejas devera uma flor bela (como o teu nome indica): que a pobreza, a doença e a miséria dos teus habitantes sejam vencidas e eles possam viver em alegria e serenidade, bendizendo o Senhor da vida.


É um sonho, eu sei – mas é por isso que eu estou neste país.

27 maio 2006

consolados


















“É bom esta igreja estar aqui, estou muito contente, pois as pessoas podem aprender e melhorar a sua vida”, quem assim falava era um dos muitos visitantes – melhor chamar-lhes curiosos – que, ao ver o movimento de pessoas, entra na nova igreja que hoje será inaugurada.

Enquanto falava comigo, essa pessoa esticou o braço num amplo gesto que apontava para a vizinhança da igreja: “estas pessoas podem ter uma vida melhor, são privilegiadas por terem a igreja tão perto”. Na verdade as pessoas dizem que vivem em “eMkhukhwini”, ou seja, no lugar das barracas; em toda aquela enorme extensão, os únicos edifícios de tijolo são a escola e, agora, a igreja – tudo o resto é só e simplesmente barracas de chapa zincada.

Ao entrar na igreja dedicada a Santo Agostinho deparamos com um grande crucifixo (oferecido por um colega da Consolata), o sacrário (feito por um dos membros da comunidade) e um quadro de Nossa Senhora da Consolata pintado em vidro e retroiluminado (feito e oferecido pelo filho de um casal argentino que vivem em Secunda); claro que também lá estão o altar e o ambão – o que sobrou de uma remodelação, feita há anos, na igreja de eMbalenhle.

A primeira igreja de eMbalenhle é dedicada a Nossa Senhora da Consolata, e a segunda igreja conta também com a Sua presença; não poderia ser de outro modo: Ela é Mãe! E se há pessoas que precisam de ter uma Mãe como Ela, essas pessoas são os que habitam em eMkhukhwini. Para que se sintam amados, valorizados e consolados através da presença e ministério de outros Seus filhos, os missionários da Consolata.

25 maio 2006

nova casa















«Como são amáveis as tuas moradas, ó Senhor do universo!»
No próximo sábado – depois de amanhã – vai ser inaugurada a segunda igreja de eMbalenhle.

Esta igreja representa um desejo que tem cerca de dez anos: ter uma outra presença católica na grande “location” de eMbalenhle. O pároco actual – padre Giorgio Massa – foi quem conseguiu finalizar o projecto, e que nele colocou não só o seu entusiasmo e dedicação mas também uma boa parte de dinheiro pessoal.

A igreja é dedicada a Santo Agostinho – foram as pessoas que escolheram, assim me disseram – um santo africano. A história pessoal de santo Agostinho mostra, entre outras coisas, que nunca é tarde para… se reencontrar com o sonho de Deus.

Os trabalhos de construção estavam atrasados e, por entre andaimes escadas e sacos de cimento, nós começámos a celebrar lá a Eucaristia há umas semanas: em cada domingo uma média de dez pessoas apresentavam-se à comunidade dizendo “ngiyazinikela” – dou-me, ofereço-me (à Igreja). É o primeiro passo, o da oferta de si mesmo, para iniciar o longo caminho do catecumenato que irá concluir-se com o Baptismo.

Nestes dias temos andado muito ocupados em acabamentos e preparação para a inauguração: desde os arranjos do espaço exterior, até ao interior da igreja – para que esse espaço seja, de facto, o lugar onde «o meu coração e a minha carne cantam de alegria ao Deus vivo!» Um lugar que seja farol a iluminar – com a luz de Deus – aquela zona de eMbalenhle, uma zona extremamente pobre e necessitada…

«Felizes os que habitam na tua casa e te louvam sem cessar. Felizes os que em ti encontram a sua força!»
Estou usando palavras do salmo 83/84 porque elas exprimem o anseio do coração humano para se encontrar com Deus – no templo e na história das pessoas; um anseio que é também proclamação de fé e certeza histórica : «o Senhor é sol e é escudo, Ele concede a graça e a glória; o Senhor não recusa os seus favores aos que vivem com rectidão; ó Senhor do universo, feliz quem em ti confia!»

22 maio 2006

vamos a outros lugares

Nos primeiros dias da próxima semana deixarei eMbalenhle - terei completado então dois meses de presença nesta missão.
Sim, são dois meses de calendário mas a sensação que tenho é que estive aqui muito mais do que sessenta dias.
Foi um tempo breve, sim, mas muito intenso - é quanto me diz o coração.
 
Quando cheguei à África do Sul colocaram-me aqui mas eram poucas as possibilidades de eu cá permanecer; e as possibilidades desfizeram-se completamente quando, na segunda semana deste mês, ficou decidido que eMbalenhle seria entregue à Diocese até finais de 2008. Somos poucos... 
 
Estando aqui em eMbalenhle dei-me conta que, dia após dia, se tornava mais forte a minha relação com as pessoas e com as comunidades. Participei em tudo o que me foi possível para... aprender e conhecer, entrando aos poucos na família que estas comunidades compõem.
Fui conhecendo grupos, famílias e pessoas e, com elas, fui-me tornando parte da família. Juntamente saboreámos a fraternidade e a alegria, estivemos unidos nos momentos de sofrimento e - sobretudo - sonhámos colaborar na construção daquela família que é habitada por Deus. Foi muito, muito bom!
 
Quando ontem, no final das Eucaristias que celebrei, me despedi das comunidades foi grande a surpresa da reacção que notei - nas pessoas e em mim.
Dei comigo emocionado, cheio de nostalgia e - porque não dizê-lo? - saudade. Sim, saudade - mesmo se ainda aqui estou...
Quando disse que não voltaria a estas comunidades, as pessoas reagiram com um ôh... longo e lamentoso; depois da Eucaristia algumas delas vieram ter comigo dizendo «vamos falar com o Sr. Bispo»...  Lá lhes contei que, desde o princípio, não era certo que eu ficaria aqui em eMbalenhle e que, na verdade, nada dependia do Sr. Bispo; compreenderam e concluiram dizendo «que pena, padre, agora que já estávamos a habituados...».
 
No pouco tempo que aqui estive as pessoas abriram-me a porta de suas casas e de suas vidas, admitiram-se à mesa da sua intimidade; e eu senti-me parte deles, desde o primeiro dia. Partindo daqui, elas vão comigo e, estou certo, algo de mim fica também com eles - para sempre!

15 maio 2006

reencontro

Quando os missionários mudam de país, são várias as coisas que mudam na sua vida. Entre elas, muda também o meio através do qual se dirigem a Deus; e assim, de um dia para outro passam a rezar numa língua diferente.

Quando pedi ao meu superior religioso o livro da Liturgia das Horas, ele disse-me: “sim, eu tenho lá um breviário, mas era do padre Alex Lipingu…” – ao que eu respondi: "Ainda bem que era do Alex, fico feliz em poder usar esse livro da Liturgia das Horas que ele usou". O padre Alex Lipingu era um missionário da Consolata tanzaniano que faleceu aqui, na África do Sul, num acidente de viação.

















Trouxe o Breviário (são três volumes) para eMbalenhle e – que surpresa, meu Deus! – encontrei dentro de um dos volumes algo de muito familiar e próximo, não obstante a distância temporal: um ‘santinho’ recordando a Ordenação Sacerdotal e Missa Nova do P. Paulino Ferreira! Dentro do breviário do Alex Lipingu.

O padre Paulino – natural da Gândara dos Olivais, Marrazes (Leiria) – faleceu no mesmo acidente que vitimou o padre Lipingu, no dia 23 Novembro de 1999.

Vi o padre Paulino, naquela que veio a ser a última vez, em Sagana no Quénia no mês de Junho desse ano de 1999. Eu estava no 10º Capítulo Geral dos Missionários da Consolata – o primeiro que se realizou fora de Itália – e o padre Paulino com o padre Fernando Carneiro, que estavam na Tanzânia, foram participar no funeral de um confrade queniano, funeral esse que teve lugar em Sagana.




















Em Portugal estive com o padre Paulino durante uns quatro anos, não na mesma comunidade mas no mesmo sector: a animação missionária e vocacional.
Recordo, de modo extremamente vivo e actual, a colaboração generosa e a disponibilidade contínua do padre Paulino. A alegria genuína e a intensidade da sua dedicação eram contagiantes. Mas o que mais recordo dele é que…tinha pressa de viver, tal não era o entusiasmo que colocava em tudo o que fazia.

Paulino, tu passaste pela minha vida – e também por estas terras; estamos unidos porque as nossas vidas estão nas mãos de Deus pois “quer vivamos quer morramos, pertencemos ao Senhor”! (Rom 14, 8)

mãe-mulher




















“Hoje queremos honrar e agradecer as nossas mães – porque são mães e porque são mulheres”! Foi assim que o presidente do Conselho da Comunidade iniciou o seu discurso quando, como de costume, se dirigiu aos cristãos para partilhar informações e falar sobre a vida da comunidade.
Aqui, na África do Sul, o dia da Mãe celebrar-se no segundo domingo de Maio e as nossas comunidades cristãs fizeram eco da festa através de várias iniciativas.

A comunidade de eMbalenhle, talvez por ser a maior e mais desenvolvida, foi onde a festa permeou todos os momentos da Eucaristia. Ao entrar na igreja, todas as Mães receberam uma fita que, colocada na lapela, as distinguia do resto da assembleia.

Enquanto se entrava na igreja, várias pessoas – filhos, maridos e amigos – foram colocar prendas aos pés do altar.
Após a homilia do sacerdote, foi a vez de uma convidada – Mãe – se dirigir à assembleia e, em particular, às mães-mulheres: foi uma hora cheia de apelos à dignidade, vocação, missão, tarefas da mãe-mulher no seu dia-a-dia; os desafios que ela enfrenta para realizar a sua missão nas várias situações e lugares em que se encontra – a casa, o trabalho, a sociedade e a igreja – e nos relacionamentos em que está envolvida: o marido, os filhos, os vizinhos, os colegas de trabalhos e a participação na vida da comunidade cristã. Foi uma hora inteira, entrecortada com cânticos, àmens e aleluias.

No final da Eucaristia, antes da Bênção final, teve lugar a distribuição das prendas, acompanhadas da leitura dos cartões onde os oferentes exprimiam gratidão e amor para com suas mães, esposas e colegas. E a assembleia saiu do templo ao som do cântico “Maria, mandla ami, ake ungiqinise – Maria, minha força, fortalece-me”, a melhor mensagem que as mães-mulheres poderiam receber para continuarem fiéis à sua vocação e missão de mães, mães-mulheres.
















Bem hajam mães, todas as mães, pelo amor que dedicais aos vossos filhos e pelo exemplo de dedicação contínua – sois as colunas da sociedade. Sois sempre jovens e belas – tendes a mesma idade e beleza dos vossos filhos!

Bem-haja a minha Mãe – a ti Carma – pelo indizível amor que dedicou ao marido e aos filhos, e pela serenidade e coragem com que enfrenta as dificuldades da saúde e da idade. Obrigado Mãe!

10 maio 2006

12 = (5+9+3)

Estou em Newcastle, na província do KwaZulu-Natal, desde segunda-feira 8 de Maio. Porquê? Porque os Missionários da Consolata estão realizando a sua Conferência.Mas, o que é isso de «Conferência»?
O Conferência é algo parecido com os congressos que os partidos políticos realizam; com a diferença que os partidos realizam o seu congresso anualmente, enquanto que nós realizamos a nossa Conferência cada seis anos.
Qual o objectivo da Conferência? Simples: rever os seis anos passados e, em fidelidade, ao Capítulo Geral do Instituto Missionário da Consolata, programar os seis anos futuros; trata-se de aplicar, na situação concreta em que nos encontramos, as deliberações do Capítulo – a assembleia magna que o Instituto realiza cada seis anos.
A Conferência é, fundamentalmente, um espaço de fraternidade e escuta do Espírito Santo – para discernir os melhores caminhos a seguir de modo a anunciar o Evangelho de Jesus Cristo com a máxima eficácia possível.

Actualmente somos doze missionários da Consolata na África do Sul, provenientes de sete países em três continentes.
Vivemos em 5 comunidades e prestamos o nosso serviço missionário em 9 situações pastorais, em três dioceses – Dundee, Joanesburgo e Pretória.

São enormes os desafios que estão perante nós: como responder adequadamente às inúmeras solicitações com o reduzido número de missionários? Como potenciar o dinamismo da vida religiosa nas nossas comunidades?

Ao espreitar o futuro que está perante nós – ao fazer a nossa programação para os próximos seis anos – somos levados a perceber que, para melhorar o nosso serviço missionário, teremos que diminuir a quantidade das nossas presenças; é isso que o delegado do Governo-geral do nosso Instituto nos tem vindo a dizer, com a consequência de, no futuro próximo, passarmos de cinco para quatro comunidades em apenas duas dioceses: Dundee e Joanesburgo.

Estar ao serviço da Missão tem destas coisas: aperceber-se de como é vasto o campo para cultivar e ver-se obrigado a arrepiar caminho porque... somos poucos.«A messe é grande, mas os operários são poucos… Pedi ao dono da seara que envie trabalhadores para sua messe» – e que os trabalhadores sejam generosos e disponíveis!

04 maio 2006

família de… irmãos

A situação da família neste país é, para dizer o menos, bastante delicada para não dizer crítica – tendo em conta os critérios a que estamos habituados no mundo ocidental. A cultura, a história, a tradição e a visão religiosa são elementos centrais para tentar interpretar a situação e, aí está o segredo, colher os valores que dão corpo à família nesta cultura africana.

No meu caso, o tipo de família que venho vivendo é a família de… irmãos, no Instituo Missionário da Consolata. Vejo e vivo esta situação com a convicção de que essa é uma realidade em construção contínua; creio que é ir mais além em relação ao que já vivi: é essa novidade e, ao mesmo tempo, o desafio que me é oferecido – e que me ofereço – cada dia.

Na segunda e terça-feira após a Páscoa nós, os missionários da Consolata, encontrámo-nos em Damesfontein. É uma óptima tradição deste grupo – agora somos apenas 14 – encontrar-se cada dois meses; objectivo? Para ser família, rezar, conviver, reflectir…. ser família! Família de irmãos.

















O P. Matthew Ouma encontra-se de visita aos missionários da Consolata deste país; ele é membro do Governo-geral do nosso Instituto e foi-lhe confiado o continente africano; chegou até nós vindo da Etiópia.
Esteve 4 dias aqui em Embalenhle: fez perguntas, pediu relatórios; juntos rezámos, juntos comemos e juntos lavámos os pratos – em família, de irmãos.
Na próxima semana, juntamente com o P. Matthew, estaremos reunidos em Newcastle para reflectir sobre a realidade em que nos encontramos, para avaliar e reformular o nosso ministério missionário.

Ser família de irmãos é… partilhar o que se tem e, onde quer que nos encontremos, saber e sentir que somos sempre família. É isso que eu sinto nesta partilha que o P. Tomás me enviou ontem: «Estive em Sadani a ajudar, sobretudo atendendo à Quaresma e Páscoa; vim de lá no domingo passado e esta semana estou em Iringa (a participar num seminar - um acto regional de formação permanente, dado por duas irmãs irlandesas. É em inglês, o que reduz o número de "attendance". Dura até sexta feira. Em seguida, talvez já no sábado ou domingo (depende do transporte) vou para o novo "assignment". Já estava alinhavado mesmo antes de eu ir para Sadani, mas agora é que é o momento: vou tapar o buraco na ausência do pároco (congolês) que vai de férias. Creio que vai este mês, mas o quando só o saberei quando lá chegar. O que virá a seguir, e exactamente quando, não sei. Mas também pode ser que me prolonguem a estadia lá, visto que também não tem vice-pároco.

O lugar é a paróquia de Ikonda. Ao lado temos o nosso grande hospital do mesmo nome. Portanto, há mais três padres e um irmão (director e capelão do hospital, director de uma escola de técnicos/as de laboratório e irmão construtor). Mas a paróquia é que está desprovida. É nas montanha Livingstone Range, a mais de 2000 m de altitude, zona fria e chuvosa. É entre os Wakinga – uma tribo muito distinta/distante dos Wahehe de Iringa ou dos Wabena de Makambako – conhecidos como grandes trabalhadores diligentes, forçados à emigração. Mas pouco mais sei, para já».
Bem hajas, P. Tomás!

Ser família… de irmãos é sentir que todos são parte de mim, de nós! Por isso procurámos ajudas para socorrer a família Mabuza cuja casa ardeu: No domingo pedimos na comunidade e, depois, fomos levar cobertores, roupas, duas camas, comida… Todos tínhamos que fazer algo, somos uma família – de irmãos!